A relevância da investigação histórico-antropológica sobre o caiadismo torna-se ainda mais premente, pois que no dia 4 de abril na cidade de Salvador (BA), Ronaldo Caiado vai lançar a sua segunda candidatura à Presidência da República, de forma, extraoficial ou solo, porque não houve nem mesmo consenso partidário em torno do seu nome –, o que dirá entre as direitas e centro-direitas. Essa oposição interna inicial do União Brasil, no entanto, não tende a inviabilizar o seu nome que poderá contar com o apoio das principais lideranças da sigla depois que o bonde estiver andando e ele tiver melhorado a posição nas pesquisas de intenção de voto.
Para concretizar o seu sonho de se tornar o Collor que dará certo, Caiado aproveita-se da desinformação dos brasileiros não moradores de Goiás, que não têm acesso aos bastidores recalcitrantes do seu desgoverno, marcado por coerções microfísicas à oposição e mesmo aos aliados, por vezes, tratados de forma piores que inimigos, pois que faz parte da sua estratégia de hegemonização dar aos desafetos, benefícios que deveria ter concedido a aliados —, como fizera apoiando para prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, cujo lema político era “Caiado Nunca Mais” até alguns anos atrás.
Citando pesquisas (de aprovação), estatísticas e slogans marqueteiros, catapultado por uma mídia local comprada e por uma mídia nacional conservadora, Caiado insurge como desconhecido viável, assim como Bolsonaro já foi um dia, tanto que o seu slogan oficial poderá ser “Coragem para endireitar o Brasil”. Interessante pontuar, que, na tentativa de ganhar o público interno, Caiado lançou uma campanha publicitária baseada num tipo de localismo, supostamente, antifederalista, por utilizar o lema “Goiás é meu País” (parafraseando “BH é Meu País” e “Paraná é Meu País”), que pode dar margem para sugerir apologia a um tipo de xenofobismo patente.
Esse tipo de discurso grandiloquente não é novidade no repertório caiadista. Uma das suas frases de efeito mais conhecidos também pode ser interpretada na pior acepção da palavra, ou seja, como dizeres eugenistas: “Bandido bom, ou muda de profissão, ou muda de Goiás”. Sabemos que muitos dos que são revistados, acusados e/ou condenados como marginais pela polícia, em alguns casos, mesmo sendo inocentes, só o são, em função do estereótipo preconceituoso do que seria um criminoso para uma goianidade aporofóbica pouco afeita à desvios da média padrão: cidadãos migrantes (Maranhão, Paraíba, Pará, Bahia, etc.), negros (pardos), homens, jovens, desempregados (ou informais), pessoas com deficiência cognitiva e de baixa escolaridade.
Caiado, na verdade, parece estar ensaiando uma oculta inversão de “Goiás é meu País” para “Brasil será meu Goiás” na campanha presidencial, sabendo que, na verdade, Goiás não irá se nacionalizar e surfar na onda do seu possível governo, como prometido. Na verdade, o Estado sob a sua custódia, parece ter regredido ao tempo arcaico de chacinas entre famílias do conto “O Tronco” de Bernardo Ellis, pois que ele trata um estado inteiro como extensão dos seus domínios fundiários, em função das suas incontáveis propriedades rurais agropecuaristas. A sua vitória representará também um regresso dos demais Estados aos velhos barões do coronelismo familiocrata.
A sacralização do materialismo patrimonialista goiano não difere tanto do brasileiro. Por isso, há razões para crer que, inspirado também na falsa-modernidade expressa pelo arquétipo do político-empresário ou gestor político (Trump, Dória e Zema), Caiado pode emplacar o seu cartaz eleitoreiro de que o modelo de gerência das suas propriedades rurais, mesclado com um populismo autoritário de uma mística de medicina social retrógada, é o melhor tipo de governaça para o Brasil. Esse cenário de festivos holofotes não demonstra o verdadeiro estado da (falta de) arte da sua gestão, que para além de contar com o passivo negativo da suposta coparticipação de membro do seu primo numa suposta chacina de queima de arquivo de dissidentes políticos (Caso Fábio Escobar), terá que se explicar, no tocante, ao fato de ter:
1) cerceado com clientelismo político a independência entre os poderes e a liberdade da imprensa, essa última, que se tornou dependente das verbas públicas estaduais, compactuada com uma modalidade de informe publicitário disfarçado de jornalismo;
2) sobretaxado os seus eleitores do agronegócio com a famigerada "Taxa do Agro", apesar de ter prometido não o fazer na campanha eleitoral, situação que gerou a invasão do prédio da assembleia legislativa por produtores rurais insatisfeitos com a traição do governador da sua base política (a única que o dera apoio na primeira campanha presidencial quando ele era o presidente da UDR);
3) desautarquizado o Plano de Saúde dos servidores, que virou Plano de Saúde e entregado a gerência dos grandes hospitais do Estado na mão de Organizações Sociais (OS) caloteiras e ineficientes, que tem sido responsáveis por filas e maus atendimentos médico-hospitalares em Goiás, e
4) não concedido aumentos salariais para as forças policiais (ao contrário de todo o restante do judiciário, incluindo MP-GO e DPE-GO), que, seguindo a retórica segurancionista ostensiva do governador, deveriam ser recompensados pelo suposto incremento dos índices de segurança pública -, números que ocultam os acréscimos da letalidade policial (Pesquisa Atlas Brasil) e da violência carcerária, conforme relatórios do CNJ, com o consequente aumento dos quadros de presos militares,
5) sucateado a infraestrutura da Universidade Estadual de Goiás (UEG), cortando a autonomia financeira de 2% da receita líquida do Estado, passando para 0,25%, o que tem estimulado a descontinuidade de pesquisas, fuga de cérebros docentes (baixos salários, incompatíveis com titularidade acadêmica), fechamento de unidades e cursos presenciais de graduação (ao menos 40, desde 2018) no interior do Estado.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.