Por volta das duas e meia da tarde do dia 8 de janeiro de 2023, o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha recebe no telefone celular uma mensagem tranquilizadora de Fernando de Souza Oliveira, lotado na Secretária de Segurança Pública, relatando que a situação na cidade está controlada. Acreditando na lorota, provavelmente após almoçar um bom bacalhau com vinho do Porto, cerra as cortinas do quarto, liga o ar-condicionado, deita sobre o lençol de seda e faz o que todo trabalhador tem o direito sagrado de fazer no domingo: tira uma pestana, uma soneca, um cochilo. Faz a sesta.
Quando começa a atender os telefonemas urgentes que não param, a cidade que jurou cuidar e proteger está vandalizada – até porque não é só tirar uma soneca, é acordar da soneca, passar um café, jogar uma água na cara. Enfim, quando se predispõe a trabalhar Ibaneis constata que a segurança pública na capital do país está em colapso, na iminência de uma intervenção federal, as sedes dos três poderes depredadas.
Tanta coisa acontece no intervalo desse cochilo que faz lembrar o filme O Dorminhoco, de Woody Allen. Segue a sinopse: “Um saxofonista congelado em 1973 é trazido de volta 200 anos depois por um grupo contrário ao poder vigente que tenta derrubar o governo opressor. Com as inúmeras modificações ocorridas nestes dois séculos, este homem vai entrar em diversas confusões.”
Ibaneis se livrou das confusões em que se meteu, tendo, após tenebrosas transações realizadas nas catacumbas do poder Judiciário, o inquérito em que é acusado de prevaricação e outros malfeitos arquivado. Diga-se que até as pedras sabiam, naquela época, que grupos extremistas planejavam algum tipo de ataque aos poderes legalmente constituídos, e tudo indicava que seria num domingo.
Não obstante, a desculpa da soneca colou e Ibaneis sai do episódio com fama de político teflon, em quem a sujeira não gruda. Nada tira o sono do governador.
*André Cunha publicou o romance Brasília, “Gravidade Zero”, finalista do Prêmio Sesc de Literatura de 2015, pela Selo Jovem; a novela satírica “Colisão Frontal”, pelo Grupo Editorial Caravana; a ficção especulativa “O Futurista – Reportagens Que Vão Mudar o Mundo” e o livro didático “Ciência Política Descomplicada”, pela Trevo. Está lançando a comédia romântica “Quem falou?” pela editora Penalux, já disponível no catálogo da editora. Também escreve na imprensa.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.