Na noite de 12 de abril, famílias judaicas ao redor do mundo estarão reunidas para o tradicional jantar de Páscoa, o Seder. Essa refeição ritualística, rica em símbolos e significados, é muito mais do que uma recordação da libertação dos hebreus da escravidão no Egito: é um convite à reflexão sobre o verdadeiro significado da liberdade.
Mais do que uma libertação física, a narrativa do Êxodo nos conduz por caminhos de autoconhecimento, ética e responsabilidade. Cada símbolo sobre a mesa tem o propósito de despertar a curiosidade das novas gerações. Por que não comemos pão fermentado? Para lembrarmos que a humildade deve ser a base da liberdade, livres da arrogância que incha o ego como o fermento incha o pão.
Por que retiramos uma gota do vinho para cada praga infligida aos egípcios? Para que jamais celebremos a dor do outro, mesmo quando essa dor nos levou à libertação.
E, ao final da noite, abrimos simbolicamente a porta de nossas casas e de nossos corações, sem medo do desconhecido, reafirmando nossa esperança em um mundo mais justo, inclusivo e acolhedor. Sonhamos, juntos, com a redenção — não apenas de um povo, mas da humanidade.
Mas, talvez o ensinamento mais urgente desta celebração esteja em algo ainda mais sutil: a potência transformadora das boas perguntas.
Vivemos tempos de polarização e discursos fechados, no qual o outro é frequentemente visto como o problema. Mas, como disse o psicólogo israelense Amos Tversky:
“É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo”.
No Seder, as perguntas são protagonistas.
Tudo começa com a voz curiosa de uma criança cantando: “O que há de diferente nesta noite em relação às outras?”. Essa pergunta inaugura a noite, não como um ritual de repetição, mas como um exercício de renovação da escuta e da consciência. É o início de uma jornada pedagógica na qual as crianças são empoderadas a questionar, sem medo de serem silenciadas.
Na sequência, aparecem os quatro filhos — o sábio, o ingênuo, o que não sabe perguntar e até mesmo o rebelde —, representando a diversidade de olhares, vozes e formas de compreender o mundo. Os ouvindo com empatia e respondendo com clareza, integridade e profundidade que mantemos viva nossa história e nossos valores.
E neste ano, diante da dor provocada pela guerra entre Israel e o Hamas, talvez devêssemos acrescentar uma nova pergunta ao Seder:
O que o terror faz conosco? E, mais profundamente: no que ele nos transforma?
O verdadeiro desafio não é apenas resistir ao mal, mas resistir a sermos moldados por ele. A liberdade que celebramos não pode ser apenas externa. Deve ser também a liberdade de não ceder ao ódio, de não nos tornar prisioneiros do medo, da vingança ou da desumanização do outro.
É justamente nesses momentos que as perguntas ganham ainda mais valor. Elas nos chamam de volta à nossa humanidade, à nossa ética, à nossa capacidade de sonhar com um futuro de paz — mesmo quando tudo parece conspirar contra ele.
O valor da pergunta, do debate respeitoso e da escuta verdadeira é essencial para qualquer sociedade que deseja permanecer saudável e livre.
Como escreveu o rabino Jonathan Sacks:
“O Judaísmo é uma fé que valoriza a mente, encorajando questões e envolvendo-nos no mais alto nível de rigor intelectual. Cada pergunta feita com reverência é o início de uma jornada em direção a Deus, e começa com o hábito que, na Pascoa, os pais ensinam aos seus filhos: Perguntem!”.
Neste espírito, que nesta Páscoa — independentemente de sua fé ou origem — você celebre a liberdade com coragem, curiosidade e compaixão.
Que possamos seguir perguntando. Porque é nas perguntas sinceras que começa a verdadeira transformação.
Feliz Páscoa. Chag Pessach Sameach.
*David Diesendruck é cofundador e diretor do Instituto Brasil-Israel.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.