32 mil mortos: um brinde ao genocídio sanitário, à ignorância e a Bolsonaro; por Henrique Rodrigues

Enquanto a vida segue, ou melhor, enquanto a morte segue nos rondando, o croqui inacabado dessa figura híbrida de Calígula, Emilio Massera e Jim Jones cavalga na frente do Palácio do Planalto, com seu sorriso mórbido

Foto: Divulgação / Presidência da República
Escrito en DEBATES el

Por Henrique Rodrigues*

Numa escatológica entrevista à TV Bandeirantes, em 1999, Jair Bolsonaro disse, com a falta de pudor típica dos psicopatas, que "tinha que matar uns 30 mil aqui", alegando que no Brasil não se muda nada pelo voto.

Agora, 21 anos depois, a tão desejada cifra do descompensado presidente tornou-se realidade. Já temos 32 mil mortos pela negligência negacionista e perversa de seu "governo" e os funestos canalhas disfarçados de patriotas já podem brindar. Não sei se são esses os mortos que Jair Bolsonaro desejava, mas é inegável que eles já estão na sua conta.

Movido por um sentimento incontrolável de desprezo pela vida humana e pela necessidade de mostrar-se uma máquina abominável que só quer chocar e ser repugnante o tempo todo, Bolsonaro recebeu a liberação de uma fortuna gigantesca em recursos para fazer frente à mortal pandemia do novo coronavírus, muito embora não faça absolutamente nada no cargo que ocupa.

O Congresso Nacional liberou e desbloqueou inacreditáveis 35 bilhões de reais para o Ministério da Saúde trabalhar na contenção do surto epidêmico, mas apenas 24% disso foi usado em três meses (8,4 bilhões).

Desdém, incompetência e maldade.

Dinheiro há, o que fica claro não existir é interesse em arregaçar as mangas e salvar vidas de brasileiros. Seu desprezo irônico é um tapa na cara, sádico e humilhante, de cada cidadão brasileiro.

Por outro lado, existe uma disposição, sim, para distribuir verbas milionárias para sites que propagam mentiras e ódio, enchendo a burra de parasitas aliados.

Levantamento realizado pela reportagem de 'O Globo' mostrou que a Secom distribuiu dinheiro público para 843 páginas, aplicativos de celular e canais do YouTube considerados inadequados, onde há conteúdos como fake news, investimentos ilegais, pornografia, apoio político aberto ao presidente, resultado de jogo do bicho e uma infinidade de outros absurdos.

Os valores não são divulgados pela Secom por nada nesse mundo, mesmo que a Lei de Acesso à Informação determine o contrário.

Enquanto a vida segue, ou melhor, enquanto a morte segue nos rondando, o croqui inacabado dessa figura híbrida de Calígula, Emilio Massera e Jim Jones cavalga na frente do Palácio do Planalto, com seu sorriso mórbido.

Ele estufa o peito e galopa pomposo, sob os aplausos esfuziantes de uma claque aparvalhada que se amontoa para saudar e tocar as mãos daquilo que seria uma espécie de Reverendo Moon da cloroquina.

Nesse país tão lindo e apaixonante (deixemos aqui um pouco de nosso histórico de mazelas e as chagas purulentas de nosso passado e presente nada agradáveis), cabe até uma adaptação da frase fulminante do ditador mexicano Porfirio Díaz. No lugar de "Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA", eu diria que nossa desgraça atual é maior, pois estamos tão longe de Deus e vivemos abraçados em seus pretensos intermediários, a começar por Bolsonaro, uma mente tão diabólica e que evoca de forma banal o nome de Deus a todo momento.

O Brasil rui, a pilha de corpos cresce, as ruas fervem e a tensão aumenta. Bolsonaro dobra a aposta. Quer uma ditadura para ser a figura tosca e malévola que é em paz. Já não há quem, sadio da mente, não se preocupe com toda essa desgraça e com a carnificina que aparece no horizonte.

Esse cenário de apocalipse tropical foi magistralmente desenhado pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano, autor de 'As Veias Abertas da América Latina', que certa vez disse que "O medo nos governa. Essa é uma das ferramentas de que se valem os poderosos, a outra é a ignorância”. Realmente. Medo, todos nós temos. Os que sofremos nas mãos da odiosa figura do presidente e também os seus seguidores lorpas, apavorados com um comunismo imaginário e pela escuridão caótica de uma visão de mundo absurda. 

Já ignorância a que Galeano referiu-se, essa sim, dispensa comentários. 

Temos de sobra no Brasil.

*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum