A Dios, por Artur Abramo

El Pibe era muitas coisas. Apagar qualquer uma de suas facetas é desmaradonizá-lo. Ele era jogador e torcedor, era ser político, era dependente químico, era argentino e era muito mais.

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Por Artur Abramo *

Diego, simbiose de Deus e homem, o mais profano dos sagrados, fez sua jornada concretizar um carpe diem barroco. Contraditório e exagerado, experimentou sua humanidade ao máximo. Viveu como o mais humano dos deuses e morreu como o mais divino de nós. Inacreditável conceber que a vida mais vivida chegou ao fim. Live is life!

A trilha sonora de seu mais famoso aquecimento representa o caminho que trilhou. Livre, feliz/triste, criativo, poderoso e sempre com a bola sob seu controle. Bola, metáfora de sua vida tão poética e errante. Sua poesia foi épica, trágica e cômica na mesma dose. Nos campos, como deus, a overdose de dribles e gols fê-lo viver para a eternidade. Fora deles, como (o mais) humano, não resistiu.

O fato é que nenhum time consegue marcar pressão o jogo todo. E a marcação pressão que Maradona exerceu sobre sua vida fez com que ele extraísse o máximo dela no primeiro tempo, mas o impediu de aguentar o segundo por inteiro. Isso não é demérito, muito menos fracasso. É o sucesso desnudo, sem idealizações, com erros e acertos desmistificados. Realização pessoal de atingir seus objetivos mais profundos e viscerais ao contemplar tudo que sua condição teve para lhe oferecer. Condição humana.

Até a quem não é argentino, ou não o viu jogar ao vivo, é possível compreender sua magnitude. Afinal, suas fotos, vídeos e falas transpõe-nos para o Olimpo em que viveu. O antológico gol contra a Inglaterra, que parece ser narrado por ele próprio, em uma jogada metalinguística, revela os gestos técnicos que explicam sua vida. Velocidade, agilidade, risco, perspicácia, explosão, ritmo y baile. ¡Barrilete Cósmico!

Genio! Genio! Genio! El Diez - con la D de Don Diego - utilizou-se de sua genialidade para fazer a bola pensar por ele. Entendeu, desde o primeiro minuto nos gramados, o sentido do que fazia e, como um professor, ensinou à pelota o percurso das redes. Redefiniu conceitos, engrandeceu estádios, equipes e atletas, incorporou a vibração das arquibancadas e reinventou o futebol. Seu espírito revolucionário, marca registrada, foi um propulsor da defesa de seus ideais. A partir das amizades com personalidades históricas, estabeleceu seu posto na luta pela justiça social, pelo fim das desigualdades e pela dignidade da Latinoamérica. Unión y libertad, según el lema de su patria. Argentina.

Seu maior feito foi ser reconhecido unanimemente por um país. Combinando com as cores celestes, seu modo celestial foi capaz de representar toda a sua nação, não apenas em uma conquista de Copa do Mundo. Aos argentinos, a dor de sua perda equipara-se à perda de um parente próximo, que só pode ser consolada com um carinho de la Mano de Dios. Por isso, óbvio o desconsolo daqueles que dizem ter morrido em vida, perdido uma parte de sua alma. Notório também o intenso anseio de seu povo de recompensar, nem que minimamente, tudo o que Diego por eles fez. Toda homenagem é pouca.

Quiçá, o maior presente possível seja a incansável defesa de seu legado. Em vida, a cancha e seus aficionados serviram de baluarte ante às condenações a sua forma de pensar e viver. Agora, o escudo de sua eternização é a memória de todos aqueles que seguem lhe amando. Ele nunca escondeu estar preparado para isso, e, não à toa, imortalizou: "La pelota no se mancha".

El Pibe era muitas coisas. Apagar qualquer uma de suas facetas é desmaradonizá-lo. Ele era jogador e torcedor, era ser político, era dependente químico, era argentino e era muito mais. À parte de tudo, só ele era e sempre será Diego Armando Maradona.

De Buenos Aires a Barcelona, de Napoli a Sevilha. Da Argentina ao mundo. Que depois de toda essa viagem, para onde quer que vá, Diego possa fazer aquilo que menos fez por aqui... Descansar. Descanse. Que en paz descanse.

¡Gracias por tanto! Hasta siempre, leyenda.

AD10S

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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