A Fantasia de ser microempresário na pandemia, por Leandro Ziotto

"Se liberássemos as atividades, a economia não iria reagir"

Foto: Arnaldo Alves / ANPr.
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Um mapa produzido pela BBC e atualizado automaticamente mostra a expansão do coronavírus pelo mundo desde que foi identificado na província de Hubei, China, em dezembro de 2019. Até o momento que estou escrevendo essa matéria, dia 15 de abril de 2020, o mapa nos informa que temos no mundo quase 2 milhões de casos identificados e um pouco mais de 126 mil mortes pelo coronavírus. O Ministério da Saúde anunciou hoje que subiu para 1.532 o número de mortes pelo novo coronavírus no Brasil — são 204 óbitos confirmados nas últimas 24 horas. Até ontem (14), eram 1.328 mortes no total. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o sétimo país no ranking dos que mais confirmaram óbitos nesse período. Estamos vivendo a maior crise mundial que a minha geração, os nascidos no meio da década de 80 e criados na década de 90, já passou. E não se trata apenas de uma crise sanitária e econômica, mas também civilizatória. Pois nós, seres humanos (ou pelo menos alguns de nós), estamos enfrentando de frente nossos próprios medos, angústias, privilégios e desigualdades sociais que construímos, de forma dolosa ou culposa, através do sistema social-econômico-político que vivemos hoje. Mas gostaria aqui de ater no “falso dilema” entre salvar vidas ou a economia! Falso dilema?! Isso mesmo, falso dilema. A história nos mostra que em todas as crises que a humanidade passou, seja nas grandes guerras, ou nas pestes, esse dilema vem à tona para apenas manipular a massa. Economistas, liberais, e alguns empresários no mundo todo, estão seguros da urgência do achatamento da curva de transmissão agora, que salvará vidas e também a economia. Pois uma não vive sem a outra! "Se você não entrar em quarentena por causa da pandemia, ela causa mais problemas e mais danos econômicos" diz o economista Richard Baldwin. Para VanDyck Silveira, “o Brasil nunca experimentou o mercado de verdade” e por esse motivo não pode tomar uma decisão inconsequente em relação à crise provocada pelo coronavírus. Segundo Silveira, uma depende da outra — e o Brasil pode sair arruinado da pandemia de covid-19 caso a retração do PIB chegue a 5% e a taxa de desemprego a 20%. Liberal convicto, ele afirma que em um cenário assim “os estragos são ainda imensuráveis” e que é preciso “parar de brigar por situações espúrias” e formar, de verdade, um gabinete de guerra. É mais simples de entender do que parece, é apenas nos desarmarmos de nossas convicções e certezas absolutas, que, já dizia Lacan, são ilusórias. Podemos trazer de forma simples 2 argumentos inicialmente: Primeiro, segundo estudo do epidemiologista da Imperial College London (Fergunson et al. 2020), a letalidade da covid-19 no Brasil deve variar entre 44 mil e mais de 1,1 milhão de vidas até outubro de 2020. Leia bem esses números: de 44 mil a 1,1 milhão de vidas. A menor letalidade ocorrerá se adotarmos uma estratégia de quarentena rigorosíssima, enquanto a a maior letalidade ocorrerá caso afrouxemos as medidas. Segundo, caso voltemos a trabalhar normalmente, isolemos apenas os grupos de riscos, praticando o isolamento vertical, como muitas pessoas defendem, mesmo com históricos recentes com estudos e depoimentos de autoridades de outros países, que gerou fracassos, mortes e mais recessão econômica. O que aconteceria? Vamos analisar juntos. A maior periculosidade do covid-19, não é de fato a sua letalidade, mas sim sua rápida capacidade de transmissão. E como a maioria das pessoas que estiverem infectadas, não terão sintoma algum, a capacidade de uma transmissão escalar, é enorme. Vale ressaltar que, com o passar dos dias, estamos testemunhando que jovens e crianças, não são tão imunes como se imaginava. Mas vamos voltar para o segundo argumento. Se liberássemos as atividades, a economia não iria reagir. Pois a economia não são apenas números, a economia é feita por pessoas e suas reações, inclusive emocionais perante suas ações e reações. Por isso a Economia é uma matéria de humanas, e existe uma especialização chamada Economia Comportamental. E o que os Economistas Comportamentais podem nos ensinar? Que com a possível transmissão, e com o potencial medo de contrair, adoecer, e porque não, o de morrer, seja você, ou de algum ente querido e familiar. Pais e mães não irão mandar seus filhos/as para as escolas, a ausência de trabalhadores será corriqueira e em massa, trazendo um combate inócuo entre empregadores e trabalhadores, empresários enfrentarão inseguranças jurídicas, o consumo continuará retraído principalmente pela incerteza do nosso futuro, e por fim, o dilema moral e ético entre voltar a produzir, explorando de forma mais discarada a vida de seus trabalhadores. Seria impossível, voltarmos a vida normal, que não traria efeito positivo a curto prazo para economia. E que seria desastroso a médio e longo prazo para nossas vidas, que parece que vale pouco, hoje em dia, porém também traria resultados tenebrosos para nossa economia. O que tenho gostado de trazer para o debate é que a crise que estamos vivendo já existe há décadas, ela estava apenas acobertada. Se tivéssemos tido políticas econômicas progressistas de fato na nossa jovem democracia, de 84 pra cá, passaríamos por essa crise de forma muito menos dolorosa. E falo com tranquilidade que nenhum governo até hoje, teve de fato uma política econômica progressista e desenvolvimentista industrialmente. Pelo contrário, tivemos seguidos governos que sucatearam nossa indústria, entregaram o domínio econômico para o sistema financeiro, e fez do varejo refém, sempre reagindo a tomadas de decisões equivocadas politicamente. Para as pessoas que me conhecem, estranham todo esses argumento e falam: “Logo você Leandro, homem, hétero, cis, branco, micro empresário, está criticando o capitalismo?”. Sim, logo eu, estou criticando sim o capitalismo. E não precisa ser vulnerável e estar na extrema pobresa para enxergar que o Capitalismo falhou, dá sim, pra nós, privilegiados da classe média, enxergar isso também. Eu entendo, microempresários e pessoas da classe média baixa, estarem protestando para voltarem a trabalhar. Pois todos nós caímos no golpe do empreendedorismo, da liberdade financeira, do ser de patrão de si mesmo. Mais de 50%, mais precisamente 57% dos empregos formais que existem em nosso país, vem do micro empresário. A classe iludida, que estou incluído, que comprou a ideia de empresariar, mas não passa de uma engrenagem no capitalismo, que apaga os incêndios quando precisa, compra briga da elite empresarial (que não produz nada), e que aceita ser o Kamikazi da nossa economia. Ta aí uma metáfora pertinente. O pior que a história dos Kamizases japoneses, pelo menos tinha uma causa ética. A nossa versão brasileira capitalista, nem isso tem. Milhões de microempresários estão dispostos a assumir esse papel, de se suicidarem, e matarem pessoas, para salvar uma economia que não são a deles. Pois, se eu, dono de uma pequeno negócio no centro de São Paulo, no bairro da Santa Cecília (sim, sou um santa ceciliers...rs), voltar a trabalhar, corro o risco de me suicidar, e levarei comigo algumas pessoas, que talvez nem concordem comigo. E deixarei minha família, e outras famílias, sem auxilio. Porém o ditado popular que diz: se ficar o bicho come, se correr o bicho pega, nunca fez tanto sentido. Pois com um pacote de auxílios irrisório, todos nós perderemos no final. Um país que teria total condições de subsidiar micro e pequenos empresários durante um isolamento horizontal bem planejado estrategicamente, e bem executado, com um pouco de boa vontade política, e uma elite empresarial um pouco mais ética, passaríamos por essa crise de uma forma melhor. Poderia listar um inúmeras ações que poderiam ser adotadas, como: prorrogação de impostos, subsídio de contas de consumo, uma real liberação de crédito, e não essa FakeCrédito, que os bancos estão liberando, mas negam 68% dos pedidos, e quando aceitam, se você ler nas entrelinhas, corre o risco de sair com uma dívida mil vezes maior do que está entrando. Porém, muitas ações já deveriam existir antes mesmo dessa pandemia ser realidade, como fortalecimento da indústria nacional, controle de crédito, investimentos em educação e saúde, que olha a ironia, são as duas pastas que hoje entram em colapso nessa crise, e que tem impacto na economia e no comércio também. O meu texto já está ficando grande demais, mas convido você, leitor, que está lendo até aqui, e que provavelmente não é preguiçoso, e tem boa vontade, ou já deve conhecer algumas dessas ideias, ou tem boa vontade pra pesquisar ótimas ações que tem sido tomadas em vários países, ou que são protegidas por especialistas econômicos. Aproveito nesse finalzinho para convidá-lo a conhecer a campanha de vouchers, que nós, da Ótica Poti, o pequeno negócio da minha família, que está há 29 anos no mercado fortalece a economia local, valoriza a vizinhança e bairro, junto com moradores e outros comerciantes, fizemos para passar esse isolamento social com a possibilidade de continuar com nossas atividades, pagar nossos compromissos, sem colocar a vida de ninguém em risco. A campanha se chama: #ApoieEmpresaFamiliar #FamíliaÓticaPoti, onde disponibilizamos vouchers de vários valores, a partir de 25 reais, para poderem ser trocados por nossos produtos e serviços, após toda essa pandemia acabar. Pois acreditamos que irá passar! Essa semana queremos iniciar um atendimento delivery principalmente para usuários de lentes de contato, e para as pessoas que precisam fazer um óculos novo, iremos disponibilizar uma pasta-estojo, devidamente higienizada, onde mandaremos algumas opções de armação, para ela poder experimentar em casa, e depois efetuar o pedido. Inicialmente esse teste irá acontecer no nosso bairro e redondeza. Deixo abaixo nossos contatos, e o link da campanha. Link da campanha: https://www.catarse.me/familiaoticapoti?ref=project_link#about Instagram: https://www.instagram.com/oticapoti/ FB: https://www.facebook.com/potiotica *Leandro Ziotto, pai afetivo do Vini, empreendedor social, microempresário, ativista político pelos direitos humanos e economia colaborativa *Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.