A segunda morte de Marielle, por Felipe Demier

"Ao que tudo indica, Marielle, para Padilha, será corajosa, humilde, ética, será tudo, menos socialista"

Marielle Franco - Foto: Guilherme Cunha/Alerj
Escrito en DEBATES el

Por Felipe Demier*

Possivelmente, na tal série do Padilha, quem assassinará Marielle, vereadora socialista, mulher, negra e lésbica, será o tal “sistema”. Nesse “sistema”, como de hábito, teremos polícia, políticos corruptos, indivíduos corruptores e milícia, mas nada de direita, extrema direita, neofascismo e, claro, burguesia.

Os políticos, os corruptos, os corruptores, as milícias e a polícia aparecerão, como de costume, na qualidade de atores socialmente indeterminados, peças de uma engrenagem independente e automática, que nada tem a ver com classes sociais e interesses econômicos concretos, que vão muito além de meia dúzia de personagens.

Talvez, quem sabe, nem seja enfatizado devidamente o vínculo de Marielle com a esquerda, com o PSOL, possível determinante central de seu assassinato naquele decisivo ano eleitoral de 2018. E, quem sabe, seus assassinos nem sejam descritos como de extrema direita, ligados ao bolsonarismo, projeto que só chegou ao poder depois que os mesmos “mecanismos” do Golpe fizeram com que as ideologias das “tropas de elite” ganhassem corações e mentes, com a anuência do capital e seus setores “liberais”, incluindo, claro, a Globo.

Domesticada, Marielle talvez apareça apenas como uma jovem menina pobre que chegou ao Parlamento como defensora dos genéricos “Direitos Humanos”, contra os quais, evidentemente, não estão a princípio nem o diretor, nem a Globo e nem seus patrocinadores, desde que, claro, o PT não complique as coisas, o que pode levá-los a alçar à presidência da República o exterminador daqueles e de muitos outros direitos.

Ao que tudo indica, Marielle, para Padilha, será corajosa, humilde, ética, será tudo, menos socialista, e o tal sistema, “parceiro”, será o culpado, será o mandante, será o executor, será “foda”, será “cruel”, será tudo, menos capitalista.

*Felipe Demier é historiador e professor da Faculdade de Serviço Social da Uerj.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum