Abuso da máquina pública e manipulação da fé na eleição de Feira de Santana, por Robinson Almeida

Os métodos utilizados foram sujos, sem ética e sem escrúpulos, para vencer a eleição a qualquer custo. As regras do jogo eleitoral democrático não foram respeitadas, o que torna ilegítima a vitória do velho sistema.

Escrito en DEBATES el

Por Robinson Almeida *

Esperei passar o calor da eleição para colocar, em texto, minha reflexão sobre o que aconteceu nas eleições em Feira de Santana. Como coordenador-geral de campanha e amigo-irmão de Zé Neto, sei muito bem o peso das minhas palavras. Serei fiel, como sempre, à minha percepção sobre os fatos.

A campanha de Zé Neto ganhou o 1° turno porque a cidade clama por mudança. Para se ter uma ideia desse sentimento, o candidato a prefeito pelo PT teve o triplo de votos de todos os candidatos a vereadores da sua coligação (120 mil, contra 40 mil votos). O que explica isso?

Depois de 20 anos de um velho sistema no comando da cidade, o desejo de mudança foi catalisado pela campanha e pela figura de Zé Neto. Uma energia eletrizou a esperança por dias melhores, contagiando ampla parcela da população. Como onda, a mudança se espalhou por Feira, especialmente nos segmentos mais pobres e que habitam a periferia e os distritos do município. Na TV e nas ruas, a campanha bombou: leve, espontânea e apaixonante! A mais bela que eu vivi desde a de Wagner governador, em 2006.

Abertas as urnas, Zé Neto venceu no 1° turno na maioria dos bairros periféricos. A zona rural votou em massa nele, assegurando os quase dez mil votos de frente naquele momento. A revelação desses dados, entretanto, mostrou o DNA da mudança, seu público eleitoral e a sua localização geográfica. As pistas para a reação do velho sistema.

No curto 2° turno, Colbert teve o apoio de Zé de Arimateia (PRB) e Carlos Geilson (Podemos), que não levaram seus respectivos vices. Dayane Pimentel (PSL) declarou voto contra Colbert. Os candidatos Beto Tourinho (PSB) e Marcela Prest (PSOL) escolheram integralmente Zé Neto. O deputado mais votado em 2018 e da história de Feira, Targino Machado, marchou com Zé Neto. Os vereadores Zé Filé, Luis da Feira e João Bililiu saíram de Colbert para Zé Neto, que também teve o apoio dos vereadores eleitos Jonathas Rasta (PSOL), o mais votado da cidade, Galeguinho (PSB) e Emerson Ninho (DC).

Zé Neto não só saiu na frente na conquista de novas adesões, como também em intenções de votos em todas as pesquisas, internas e públicas, realizadas na primeira semana do 2° turno. Até o domingo, 22 de novembro, embora empatadas na margem de erro, as diferenças variavam de 4% a 8% em favor de Zé Neto, em cinco pesquisas que tive acesso.

Aí veio a reação em dois flancos.

No domingo (22), à noite, enviaram-me um zap revelador sobre a estratégia do adversário. A voz de uma senhora indignada e apreensiva revelava o que ocorreu nos cultos daquele dia. Nas suas palavras: “Gente do grupo. Eu fui pra Igreja agora de noite, sinceramente, vim chateada. Porque o comentário que tá na Igreja é que o PT vai fechar as igrejas, tudo. Então o pastor está jogando todo mundo contra o PT, quer que todo mundo vote em Colbert. Diz que o PT vai fechar as igrejas, colocar mudança de sexo nas escolas. Estão botando pra lá...”

Estava declarada a “Guerra do Medo e do Ódio”

A utilização de acusações falsas contra o PT é uma prática antiga da direita. Agora, o antipetismo é instrumentalizado por parcelas de igrejas neopentecostais e seus pastores. Combinam-se o ódio e o medo, sentimentos instintivos, para manipular a fé de crédulos fiéis. A fórmula usada como argumento contra a esquerda é, além do fechamento das igrejas, também a ameaça à liberdade religiosa e atentado aos valores morais conservadores presentes na sociedade, como o estímulo à homossexualidade e o ensinamento de práticas sexuais para crianças nas escolas.

Elege-se o inimigo e a guerra é para derrotá-lo. Sem nenhum debate sobre projetos para a população e para o município, esses pastores pregaram para suas ovelhas que o “anticristo” não poderia ganhar a eleição. Os cultos daquele domingo e durante a semana, em grande parte daquelas igrejas, deram lugar a uma pregação política eleitoral em favor de Colbert e contra Zé Neto. O bem e o mal, respectivamente, no maniqueísmo religioso neopentecostal.

Essa estratégia se desdobrou. Na segunda e terça-feira, 23 e 24, foram-me enviados vídeos de carros de som nos bairros populares de Feira com a mesma toada: “Sabemos que o 13 é totalmente a favor da cartilha gay nas escolas, é a favor do casamento homoafetivo, tudo que é de ruim o 13 apoia. Mas o 15, não. É a favor da família”, afirmava o locutor. As trevas do preconceito saíram de templos neopentecostais e ganharam as ruas de Feira de Santana.

Na quarta-feira, um grande encontro de evangélicos foi realizado com a presença dos deputados federais e pastores Marcos Feliciano (Pode-SP) e Abílio Santana (PL-BA) e do cantor gospel Marcos Antônio. O apoio a Colbert e o combate ao PT foram as razões desse deslocamento de lideranças evangélicas nacionais para Feira de Santana.

Para fechar o ciclo da estratégia pelo voto evangélico, foi colocado em prática o ataque à reputação do candidato. Viralizou o vídeo fake que mostrava o pai de Zé Neto abandonado pelo filho. Para complementar, a campanha de Colbert exibiu na sexta-feira, na TV e no rádio e patrocinou nas redes sociais, mais uma fake news sobre uma “rachadinha” no gabinete de Zé Neto. Sabidamente falsa, a denúncia já tinha sido arquivada pelo MP desde 2013, um ano depois de ser inventada pelo velho sistema contra Zé Neto na campanha a prefeito de 2012. Por ironia, Zé Neto tem a ficha limpa e Colbert já foi preso acusado de corrupção.

Vejam como todos os pontos estão ligados. Da pregação antipetista nos cultos disfarçada de proteção da moral e dos bons costumes, à estratégia de comunicação de massa de ataque à reputação do adversário. Para completar, o encontro com lideranças de ponta do conservadorismo religioso, com o objetivo de nacionalizar o enfrentamento ao PT, à esquerda e aos seus candidatos.

Arrisco a afirmar, em breve digressão, que em maior ou menor intensidade, essa mesma fórmula foi utilizada em todo Brasil contra os candidatos de esquerda nesse 2° turno. Esse movimento, no subterrâneo da democracia, não captado pelos institutos de pesquisas, pode explicar a ascensão das candidaturas conservadoras no dia da eleição. Foi assim em Porto Alegre e Vitória, ou mesmo em São Paulo e no Recife. Foi assim em Vitória da Conquista e Feira de Santana também.

A outra frente da reação do velho sistema foi o uso inescrupuloso da máquina pública. Já o tinham feito no 1° turno, mas sem a ausência total de limites, como praticaram na reta final das eleições. A distribuição de 26 mil cestas básicas, sem passar pelo almoxarifado central, foi denunciada pelo jornal Folha do Estado. Pululam os vídeos e fotos nas redes sociais com flagrantes de entrega dessas cestas básicas por prepostos da prefeitura já no final do 1° turno.

A mobilização dos funcionários da prefeitura pra apoiar Colbert não tem paralelo. A máquina pública, por meio de indicações políticas, foi montada nos últimos 20 anos pra atender aos donos do poder, não ao povo. Mesmo sob denúncia de assédio moral, o velho sistema organizou um exército de milhares de terceirizados e de cooperados, de todas secretarias, para se engajar na campanha sob a ameaça de perder o emprego. Desde a obrigatoriedade de colar adesivo em carros, envolver a família na campanha, até a sair de porta em porta de vizinhos para pedir o voto, que asseguraria o pão de cada dia. Sem pudor, constrangeram trabalhadores à submissão política.

A secretaria de Educação foi dada a uma vereadora, Eremita, que chantageou Colbert, ameaçando apoiar Zé Neto. O salário dos servidores foi pago, diferente da tabela, antes do 2° turno. Na boca da eleição foram convocados concursados da Saúde. O dia da eleição foi marcado por uma ação deliberada da Secretaria Municipal de Transporte para sabotar a votação com blitzes nos distritos. Até pneus de ônibus, autorizados pelo TRE pra transportar eleitores da zona rural, foram furados.

O velho sistema diminuiu a segunda maior cidade da Bahia a um pequeno município, refém do clientelismo e do abuso do poder econômico.

Alguém pode perguntar: o que foi feito para enfrentar essa guerra híbrida de manipulação da religião e uso da máquina na eleição? Muito foi construído, especialmente com lideranças evangélicas que apoiaram Zé Neto. Reuniões com o candidato e com a presença do governador Rui Costa. Depoimentos de evangélicos nas redes sociais e TV desmentindo as falsas acusações a Zé Neto não surtiram efeitos de restauração da verdade para esse setor. O público doutrinado votou em Colbert por orientação e obediência aos seus líderes.

O abuso da máquina foi intensamente denunciado, desde o 1° turno, em inúmeras ações na justiça, que não lograram êxito para impedir a ação eleitoreira de distribuição de cestas básicas e o aparelhamento da prefeitura em prol da candidatura de Colbert. Até mesmo a prisão do superintendente de trânsito foi pedida no dia da eleição. A Justiça ainda tarda diante de escândalos que mancharam a eleição e interferiram, criminosamente, no processo democrático.

Os métodos utilizados foram sujos, sem ética e sem escrúpulos, para vencer a eleição a qualquer custo. As regras do jogo eleitoral democrático não foram respeitadas, o que torna ilegítima a vitória do velho sistema. Certamente a batalha se desdobrará nos tribunais em busca da reparação da soberania popular, fraudada na sua livre escolha.

A manipulação de religião para eleição e o aparelhamento criminoso da máquina pública explicam por que a mudança não chegou. Explicam, também, por que o medo e o ódio venceram a esperança e o amor nas eleições em Feira de Santana.

*Robinson Almeida é deputado estadual na Bahia pelo Partido dos Trabalhadores.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.