As eleições municipais de 2020 e os militantes da CTI e TI de esquerda, por Renato Dagnino

"Os militantes que atuam na área de CTI e TI têm uma importância central: um conhecimento tecnocientífico orientado pelo nosso projeto político é o meio mais idôneo para otimizar as implicações decorrentes do enfrentamento de classes"

Foto: Nelson Jr./ ASICS/TSE
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Por Renato Dagnino*

A importância das eleições municipais para a esquerda se deve a pelo menos quatro aspectos (ou fatores).

Primeiro, porque é nesse âmbito onde se manifesta a maior parte dos problemas que afligem a classe trabalhadora e outros segmentos explorados. 

Segundo, porque é ali que muitos deles podem ter a sua solução encaminhada pelos seus militantes, em especial aqueles que ocupam cargos no Executivo e Legislativo. 

Terceiro, e por causa disso, porque é também ali onde e esquerda tem logrado suas mais expressivas conquistas no campo da governança e da governabilidade que dela depende. Algumas delas, como o Orçamento Participativo - mundialmente conhecido e imitado -, são ícones do “modo petista de governar” que devemos estender a outros canais de implementação de políticas públicas que envolvam a transferência de bens e serviços que não demandem necessariamente a alocação de orçamento mas que sejam intensivas em conhecimento tecnocientífico.

Quarto, porque é mediante a conscientização e a mobilização da classe trabalhadora - típicas dos momentos pré-eleitorais - que processos de participação e empoderamento de maior permanência, potencial de retroalimentação e capacidade de materialização do nosso projeto político, todos eles essenciais para enfrentar o poder da classe proprietária se tornam possíveis.

Os militantes que atuam na área de CTI e TI têm uma importância central: um conhecimento tecnocientífico orientado pelo nosso projeto político é o meio mais idôneo para otimizar as implicações decorrentes do enfrentamento de classes.

Dado que a quase totalidade das medidas governamentais relativas à área tem ocorrido nas esferas federal e estadual, esta conjuntura pré-eleitoral torna-se uma oportunidade favorável para preencher o vazio existente na esfera municipal. 

É por isso urgente que formulemos propostas de ação orientadas a satisfazer nessa esfera demandas intensivas em conhecimento tecnocientífico coerentes com (e necessárias para) a implementação do projeto político da esquerda. 

É em torno delas que deverá pautar-se nossa tarefa de cooptação junto aos companheiros que irão disputar as eleições. Uma análise preliminar que tem como referência os quatro aspectos genéricos que dizem respeito à importância das eleições municipais apontam algumas linhas de ação específicas. 

Essas linhas de ação, cujos horizontes de maturação e viabilidade de implantação são bem diferentes, deverão ser incorporadas ao programa de governo desses companheiros respeitando, é claro, suas idiossincrasias, as especificidades territoriais e de seu eleitorado, etc.

De modo a organizar seu detalhamento, elas estão sucessivamente indicadas, sem pretender priorizar, em quatro blocos que estão mais ou menos associados a cada um daqueles quatro aspectos genéricos. 

Bloco 1. Uma nova orientação para as políticas públicas.

O poder municipal deve privilegiar (1) a estratégia solidária do “trabalho e renda”, e não a estratégia empresarial usual do “emprego e salário” que supõe o subsídio e a alocação prioritária das compras públicas; (2) a política inovadora de “geração de renda pelos mais pobres” através das redes de produção e consumo da economia solidária a serem apoiadas pelo poder municipal , e não apenas a política compensatória tradicional de “distribuição de renda para os mais pobres” orientadas a aumentar, pela via da “renda mínima”, a demanda para empresas; (3) a reorganização do nosso tecido socioeconômico-produtivo pós-pandemia mediante empreendimentos solidários focados na implementação do nosso projeto, e não a reindustrialização baseada numa improvável conversão das empresas cada vez mais financeirizadas e que, se ocorrer, irá incorporar conhecimento tecnocientífico monopolizado, poupador de mão de obra, predatório, etc.

Bloco 2. Uma nova relação com os atores da CTI.

Ações realizadas por prefeitos e vereadores orientadas a aumentar a eficiência, eficácia e efetividade do aparelho de Estado na solução dos problemas locais que afligem a classe trabalhadora e outros segmentos explorados, mediante a incorporação de conhecimento tecnocientífico proporcionado por integrantes daquelas instituições e por militantes de esquerda envolvidos com a proposta da Economia Solidária. Mobilizar especialmente os integrantes de esquerda de instituições públicas de ensino e pesquisa interessados em satisfazer as demandas cognitivas embutidas nas necessidades materiais da classe trabalhadora e de outros segmentos explorados com o conhecimento tecnocientífico que operam. 

Bloco 3. Integrar tecnociência solidária ao governo.

Ações visando à concepção de sistemas informatizados tipo “governo eletrônico”, fundamentados nos princípios da democracia participativa, são cada vez mais necessárias e é crescente a oportunidade de sua implementação. Ademais de aumentar a governança e a efetividade do poder municipal, elas deverão prospectar as necessidades materiais da população e “decodificá-las” de modo a, expandindo o escopo do que foi chamado de “modo petista de governar”, explicitar as demandas cognitivas a elas associadas e encaminhá-las rotineiramente às organizações públicas atuantes na área de CTI e TI e às redes a serem formadas com a participação de empreendimentos solidários. Reprojetar a tecnociência capitalista, através da adequação sociotécnica, na direção da tecnociência solidária supõe incorporar ao ato de governr os valores da propriedade coletiva dos meios de produção e da autogestão.

Bloco 4. Aproveitar a conjuntura eleitoral para avançar.

Ações imediatas que, apoiadas no potencial dos militantes de esquerda possam desencadear no período pré-eleitoral em curso, um potente movimento de conscientização da sociedade acerca da legitimidade da nossa projeto e de mobilização dos simpatizantes no sentido de convencer seus pares, neutralizar a campanha midiática dos nossos adversários e esclarecer como serão efetivados os processos de consulta, participação e empoderamento que irão pautar nossos governos.

*Renato Dagnino é professor titular na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) nas áreas de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia e de Política Científica e Tecnológica

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum