Bolsonaro já age como um autocrata e eu acho bom a gente se unir

É hora de união. Morticínio, indiferença absoluta ao sofrimento do povo, aparelhamento robusto do Estado, impunidade descarada para familiares e membros da cúria dos birutas. Se você não conhece a História, tenho uma péssima notícia: já estamos numa enrascada

Jair Bolsonaro (Foto: Presidência da República)
Escrito en DEBATES el

*Por Henrique Rodrigues

Precisamos de uma aliança com todos os setores que não embarcaram no fenômeno hipnótico do bolsonarismo. Isso causa contrariedade, discussão, relativização e discursos inflamados. Mas é disso que precisamos.

Naufragado num lodaçal infindável, Bolsonaro encabeça um governo pífio e tosco. Seus filhos estão atolados em escândalos de corrupção até o hipotálamo (funcionários fantasmas, redes de laranjas, rachadinha, máquina de fake news, dinheiro público pagando advogados, lavagem de dinheiro em lojas de chocolate). Isso para não falar na relação intestina com as milícias cariocas e a sua rendição de corpo e alma ao baronato dos vigaristas estelionatários do altar.

O vulgar presidente já fala e age como um déspota e sonha com o triunfo de uma autocracia de silhueta psiquiátrica, devidamente escorada nas colunas sólidas das Forças Armadas, que por sua vez permitem-se humilhar dessa maneira, ainda que ninguém saiba exatamente o porquê.

Assumir o poder como o ridículo almirante interpretado por Sacha Baron Cohen em 'The Dictator' seria uma saída para salvar a própria pele, já que suas conexões com vários submundos (do crime, da política, da polícia e das igrejas) parecem um cronômetro em contagem regressiva. Sem o poder tirânico, ele sabe que está fadado, junto com sua prole, à prisão num futuro breve.

O momento é de ruptura. Aliás, de ruptura grave. Nada será pior do que a instauração cabal de uma ditadura militar-miliciano-neopentecostal de contornos delirantes. Não é hora de orgulho ou de se sentir envergonhado por dialogar com setores que já nos fizeram tanto mal. Vergonha e orgulho algum trarão uma aniquilação e um revés tão violentos ao campo progressista quanto essa trágica hipótese que vem se confirmando.

Diz o adágio popular que vergonha é roubar e não poder carregar. Pois bem, não vai ser um laço efêmero e temporário com adversários históricos que maculará a consciência de quem precisa evitar a fascitização oficial do Brasil.

É hora de união. Morticínio, indiferença absoluta ao sofrimento do povo, aparelhamento robusto do Estado, impunidade descarada para familiares e membros da cúria dos birutas. Se você não conhece a História, tenho uma péssima notícia: já estamos numa enrascada.

Sabendo de antemão que a História é a ciência da repetição dos ciclos e dos fenômenos sociais, cabe ressaltar episódios em que a união forçosa de vertentes minimamente democráticas foi fundamental para a erosão da tirania.

Em Portugal, após o irromper da insurreição militar que deflagrou a Revolução dos Cravos, em 1.974, pondo fim ao longevo Estado Novo de Salazar, demorou dois anos para que a Assembleia Constituinte promulgasse uma nova carta magna. Com a confusão institucional gerada pelo Processo Revolucionário em Curso (PREC) e o receio de uma nova ditadura que poderia nascer, só sobrou a conversa como opção entre as forças democráticas à esquerda e à direita, ainda que a contragosto.

Nos 'Pactos de La Moncloa', assinados em 1.977, quase dois anos após a morte do genocida Francisco Franco, na Espanha, não houve outra saída que não fosse um diálogo (nem tanto) civilizado entre as forças políticas progressistas e conservadoras de viés democrático, já que o fantasma do Franquismo ainda rondava o país, inclusive tentando um novo golpe de Estado, em 1.981, que fracassou.

Por último, podemos tomar como prova da necessidade de uma coalizão o que se passou no Plebiscito Nacional do Chile, em 1.988. Visto inicialmente como uma farsa idealizada por Pinochet, a consulta deveria mostrar o que a população pensava sobre a continuação da sangrenta ditadura do general, que à época completava 15 anos. Ainda que realmente soasse como uma fraude desde o início, a campanha do 'No' (não à continuação do regime) venceu e isso só foi possível após a união provisória de partidos de orientações ideológicas totalmente distintas, como alguns liberais, o social-democrata, o democrata-cristão, os verdes e os socialistas, formando a 'Concertación', que substituiu o tirano em 1.990.

É, meus camaradas. Tem horas que é preciso tapar o nariz e engolir o rícino insuportável de uma aliança nauseabunda. Aquilo que será purgado é o que realmente importa e esse hospício político precisa sair nas fezes da História, para aliviar nossa dolorosa cólica lancinante.

*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira