Brasil: um país desgovernado e sem esperança, por Daniel Trevisan

“Muitos acreditam que o mundo pode melhorar quando tudo passar, que haverá uma preocupação com a natureza e que a economia olhará para os mais pobres. É uma saída, mas é a menos provável”

Foto: Agência Brasil
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Por Daniel Trevisan Samways*

Os últimos meses têm sido muito difíceis para uma reflexão mais profunda sobre o país e principalmente para colocar ideias no papel. Somos bombardeados com péssimas notícias sobre saúde pública todos os dias e ainda precisamos lidar com um governo de ineptos e lunáticos, liderado por um aspirante a ditador com colorações fascistas. São mortes pela doença, são mortes na favela pela ação assassina do Estado, são mortes que também nos matam um pouco a cada dia como nação.

Vivemos um espanto constante, acreditando sempre que o próximo passo rumo ao abismo não virá. Mas ele vem. Rápido demais, com sarcasmo, deboche e humilhação. Ao fundo, ecoa uma risada para todas as insanidades daquele que ocupa, por ora, o cargo de presidente da República.

Os aplausos no famoso “cercadinho” do Palácio do Planalto parecem se espalhar por todo o país em grupos de WhatsApp, nos causam raiva, mas também nos machucam, nos imobilizam.

O escárnio com a morte e a descrença na gravidade de uma pandemia se tornaram as marcas de nosso país. O fascismo é, antes de tudo, um grande culto à morte. Estamos experimentando isso na própria pele, marcados a ferro quente, mas também sendo quebrados por dentro, em nossa capacidade de resistir. 

Muitos acreditaram, ingenuamente, que Bolsonaro seria contido por “ministros técnicos” e militares que compõem o governo. Os entusiastas da solidez das instituições defendiam que todas as insanidades da campanha ficariam para trás, assim que Bolsonaro subisse a rampa, como se um estadista magicamente surgisse ao colocar a faixa presidencial.

Sabíamos que Bolsonaro iria manter o tom beligerante em seu governo, que iria atiçar as bases constantemente para manter o seu núcleo duro ainda mais fiel e combativo. O tal sistema de “freios e contrapesos” não o conteve. As instituições se tornaram uma grande miragem, muito distante, o que nos dá a ilusão de que “agora passamos dos limites e que alguém tomará uma atitude”.

Como diria Chico, em Pedro Pedreiro, “manhã, parece, carece de esperar também. Para o bem de quem tem bem”. A manhã logo se torna noite, caindo todos os dias, e ninguém faz nada. O panelaço se tornou a nova nota de repúdio. E assim corremos em alta velocidade rumo ao abismo, como num trem sem freios e com um maquinista rindo, rindo, rindo, pedindo mais carvão. Ou talvez mais cloroquina.

Já se tornou cansativo dizer que o enfrentamento a Bolsonaro passa pela união de forças democráticas e progressistas. Igualmente cansativo perceber que parte delas insiste no velho e carcomido jogo eleitoral, mesmo que com honrosas exceções no Congresso e importantes conquistas recentes, como a renda básica emergencial.

Particularmente, acredito que a sonhada união do campo progressista será muito difícil e que os principais atores da oposição possivelmente não chegarão a um acordo para o bem do país. Continuarão com suas vaidades, seus egos, seus ressentimentos, acreditando que poderão colher algum fruto eleitoral no futuro.

Daremos sorte se tivermos frutos a colher. Nos levarão juntos para o buraco. Contudo, uma esperança emerge nas comunidades, nas bases, fora das estruturas partidárias. Futuramente, os partidos tradicionais dirão que foram pegos de surpresa. Estarão, como parecem estar há tempos, surdos e cegos para o que virá de baixo. 

O Brasil se tornará rapidamente o epicentro da pandemia, tendo à frente um governo que insiste em acreditar numa irreal volta à normalidade e em um crescimento ilusório, que só existe na cabeça de Paulo Guedes.

Bolsonaro empurra os mais pobres para a rua, para a doença, para a morte, insistindo que todos devem se contaminar, enquanto a crise política e econômica avança sobre nós. Teremos vinte, trinta milhões de desempregados e nossos “cabeças de planilha” vão defender o fim de direitos, talvez dizendo que o salário mínimo é um entrave à retomada. 

Muitos acreditam que o mundo pode melhorar quando tudo passar, que haverá uma preocupação com a natureza e que a economia olhará para os mais pobres. É uma saída, mas é a menos provável.

Poderemos assistir, com a desculpa de retomar o crescimento, uma destruição cada vez maior do meio ambiente, um avanço constante sobre territórios indígenas, a destruição da floresta amazônica e a defesa da austeridade para equilibrar as contas públicas. Já sabemos que a expressão “equilibrar as contas públicas” recai sempre sobre os mais pobres e necessitados e nunca gera o que promete. Serve apenas para aprofundar a desigualdade. E uma sociedade machucada, frágil e ressentida é um prato cheio para líderes autoritários.

Pode ser diferente? Claro que pode. É possível construir uma resistência vigorosa, unida, com planos e propostas para superar nossa histórica desigualdade. Novos líderes podem emergir das novas lutas que virão. Pode surgir uma grande frente democrática na luta conta o autoritarismo, com diferentes atores e movimentos, com uma nova linguagem que agregue mais do que aparte. O futuro é incerto. É um livro aberto, que ainda está para ser escrito. Enquanto isso, caminhamos feito Pedro Pedreiro

“Esperando enfim nada mais além

Da esperança aflita, bendita, infinita”.

*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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