Chico Mendes: o arauto da natureza “reassassinado” diariamente pela boiada bolsonarista

Na coluna Fórum Folia de hoje, Estevan Mazzuia revê o desfile da Lins Imperial de 1991 e ecoa o grito pela preservação ambiental que, há 32 anos, calava Chico Mendes

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Por Estevan Mazzuia *

“Quanta maldade é ver

O homem destruir 

O que hoje encanta a Sapucaí”

Embora os versos de João Banana, Serjão, Jorge Paulo e Tuca pareçam ter sido compostos sob medida para Ricardo Salles, o inescrupuloso antiministro do Meio Ambiente, trata-se do refrão de um samba-enredo de quando o membro do Partido Novo (“novo” há uns 520 anos) era apenas um adolescente. Em 1991, a Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial fazia seu terceiro (e, até hoje, último) desfile no grupo principal do carnaval carioca.

Afilhada da Estação Primeira de Mangueira, de quem herdou as cores verde e rosa, a agremiação do subúrbio de Lins de Vasconcelos havia surpreendido em 1990, ao permanecer no primeiro grupo com uma homenagem ao boêmio Madame Satã (que recentemente teve seu excluído do rol de Personalidades Negras importantes da Fundação Palmares, em mais um episódio inacreditável do governo Bolsonaro), depois de conquistar na Justiça o direito de desfilar entre as grandes (o regulamento de 1989 previa o acesso de uma única escola, e não duas, como nos anos anteriores, e ela havia sido a vice-campeã do então chamado grupo 2). 

Segunda a desfilar no domingo de carnaval, ao arrebol, a escola defendeu o enredo “Chico Mendes, o arauto da natureza”. Desenvolvido por uma comissão de carnaval, não se tratava de uma biografia de Francisco Alves Mendes Filho, o seringueiro, sindicalista, ativista político e ambientalista nascido em Xapuri, em 15 de dezembro de 1944, e assassinado na mesma localidade, há exatos 32 anos, em 22 de dezembro de 1988, por Darli Alves, a mando do pai, Darcy, um grileiro de terras da região. Era, na verdade, um grito de alerta (29 anos depois, muita gente ainda não escutou) pela importância da preservação ambiental, que aproveitava para homenagear o acreano, cujo trabalho fora reconhecido e premiado pela Organização das Nações Unidas. 

O desfile, que contou com as ilustres presenças da atriz Lucélia Santos e do ator Nuno Leal Maia, além de José Alves Mendes (irmão do seringueiro, que afirmou que Chico nunca foi muito fã da folia), apresentou muitas plumas, contraditoriamente. Em 1989, ao ser homenageado pela Unidos do Cabuçu, escola do mesmo bairro da Lins Imperial, Milton Nascimento exigiu (e foi atendido) que plumas e outros materiais de origem animal não fossem utilizados na confecção das fantasias e alegorias. 

Como era comum ocorrer com agremiações, digamos, “menores”, houve muitos problemas, a começar pelo carro abre-alas, que nem entrou na avenida. Embora funcionais, as fantasias eram simplórias e algumas alegorias estavam incompletas, sem alguns destaques. As alas apresentaram enormes clarões ente elas, problema sério no quesito evolução. Um grupo, ao final, carregava uma espécie de bandeira, com a inscrição “AMAZÔNIA VIVA: o planeta azul abraça o coração verde”, encerrando com dignidade o problemático desfile. 

Com 264 pontos (e uma única nota 10, em samba-enredo), a escola repetiu o 14º lugar do ano anterior, sem a mesma sorte, porém, uma vez que em 1991 seriam rebaixadas 4 escolas e não 2, como em 1990. E lá se foi a Lins Imperial, para nunca mais voltar, chegando a desfilar no grupo D (equivalente à quinta divisão) em 2014. 

Curiosamente, em 2007 a escola conquistou o título do grupo B (terceira divisão) com uma reedição do mesmo enredo. Eu estava lá e posso afirmar que foi merecido. Atualmente a Lins sonha com a volta aos bons momentos: foi campeã em seu grupo no último carnaval e ganhou o direito de voltar à Sapucaí no próximo (voltando ao segundo grupo depois de 12 anos), que deverá ocorrer, pelo andar da “covidagem”, em 2022, com sorte. 

Enquanto isso, nós sonhamos com a volta do Ministério do Meio Ambiente, criado em 1985, e destruído em 2019. O desgoverno Bolsonaro conseguiu, em menos de 2 anos, fazer com que o Brasil tenha se tornado uma espécie de África do Sul, na época do Apartheid. Recentemente, fomos excluídos da Cúpula da Ambição Climática. Nosso chefe de Estado, que está se lixando para os quase 200 mil mortos pela Covid-19 (“fomos o país que melhor lidou com a ‘cuestão’ aí), realmente acredita que transformando a Amazônia numa imensa plantação de soja, o pantanal em um imenso pasto para o gado bovino e Fernando de Noronha em um pesque-e-pague seremos o novo expoente da economia mundial. 

“Os invasores, por ambição

Calaram Chico

Dando sequência à destruição” 

A julgar pela fala de Salles, no sentido de se aproveitar do momento em que o brasileiro está preocupado em se manter vivo para “passar a boiada” (uma “baciada” de leis que permitam acabar com o que resta na fauna e flora brasileiras) Chico Mendes teria hoje o mesmo destino caso tivesse sobrevivido aos disparos de Darli. 

Salles, Bolsonaro e “todos esses que aí estão”, no Palácio do Planalto e Esplanada dos Ministérios, “atravancando nosso caminho”: sua hora há de chegar. Vocês “passarão”. Nós, tantos Chicos, “passarinho”.

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.