Coluna “Desvendando a China” estreia na Fórum

Alessandro Golombiewski, que vive há cinco anos no país asiático, é professor de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Tsinghua, em Pequim, e trará, a partir de agora, uma visão sobre o gigante oriental

Foto: The Bulwark
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Primeiramente, início esta coluna agradecendo à equipe da revista Fórum pela oportunidade de apresentar aos leitores uma visão real da China moderna. Em 2016, depois do Golpe que sofremos, eu deixei nosso país e aceitei o desafio de viver na Ásia. Já havia morado nos Estados Unidos e em diferentes países da Europa, mas viver na China, imerso na cultura oriental, é algo muito desafiador e enriquecedor.

Antes que minha mudança ocorresse, eu já havia visitado a China dezenas de vezes, sempre representando o governo brasileiro nas diferentes funções que exerci. Digo isso, pois existe uma diferença profunda entre visitar e morar, e isso influencia na forma de se compreender o “Reino do Meio” ou “País do Meio”, como a China é chamada pelos chineses. Mesmo aqueles que por aqui passam um ou dois anos sentem certa dificuldade em compreender o idioma, a cultura, a religião ou a história do país. Cada região da China — são 34 regiões incluindo Macau e Hong Kong — possui sua própria cultura, seus costumes, sua história e seus dialetos (falados e escritos) o que torna o país complexo e, ao mesmo tempo, riquíssimo. Só para termos ideia, a China possui 56 etnias e cerca de 129dialetos.

Durante os seus cinco mil anos de história, a China teve cerca de vinte dinastias imperiais e mais de 450 soberanos. Na riquíssima história da civilização chinesa, temos momentos tristes, com longos períodos de extrema pobreza e miséria tais como os períodos de “grande fome” 1916-1927 e o período de 1958-1961, os quais, juntos, somam mais de 30 milhões de pessoas mortas pela fome, o que fez a China ganhar o apelido depreciativo de “o homem doente da Ásia” devido à pobreza extrema que aqui habitava.

Mas temos, também, momentos bonitos de superação e resiliência. Como foi dito por Confúcio, podemos aprender com o passado para construirmos o futuro. E foi isso que a China fez. Através da resiliência e força de seu povo, ela se reergueu e, nas últimas quatro décadas, tornou-se uma das maiores potências econômicas do mundo. Ela elaborou não só uma visão de Estado, mas de nação civilizatória, criando conceitos e quebrando paradigmas com o objetivo de se tornar uma nação desenvolvida.

Convido aos leitores da revista Fórum a embarcarem comigo nesta jornada para desvendarmos a China moderna: seus conceitos, suas forças, seus problemas e seus desafios. Entender e observar este país é, na verdade, entender um pouco mais do futuro de nossa humanidade.

Nesta primeira coluna, começo com uma reflexão sobre o centésimo aniversário de fundação do partido comunista. O Partido Comunista chinês (PCCh) foi fundado na cidade de Xangai em 1921. Nestes cem anos de história do partido, vimos os principais líderes chineses — especialmente Mao Tsé-Tung, Deng Xiaoping e Xi Jinping — desempenharem diferentes papéis em diferentes momentos, o que possibilitou ao país aproveitar oportunidades históricas e conjunturais em seu desenvolvimento. Claro que a primeira característica que solta aos olhos de qualquer estrangeiro é que a China, seja o Estado ou o governo, tem clareza da necessidade de melhoria de vida da sua população, através de uma sociedade mais equânime e justa.

Desse modo, o papel de seus líderes tem sido claro. Mao Tsé-Tung, como arquiteto inicial, conduziu a revolução chinesa à vitória e completou a transformação socialista da sociedade chinesa. Deng Xiaoping, como reformador, explorou um caminho para o socialismo com características chinesas, combinando o sistema político socialista com a economia de mercado. Depois, Hu Jintao iniciou o processo de transição para um China moderna, introduzindo os conceitos de desenvolvimento e inovação. E, digamos, após várias gerações de trabalho árduo, a China alcançou uma tremenda transformação: ergueu-se, enriqueceu-se e tornou-se forte. Agora, Xi Jinping, como visionário, conduz a China para a nova era do socialismo com características chinesas, introduzindo o conceito e a grande visão do “sonho chinês” (Chinese dream).

O sonho chinês é definido como a realização da grande renovação dessa nação, o qual se tornou o paradigma da administração de Xi Jinping desde que este tomou posse em 2012. Em síntese, no ambiente interno, o âmago do sonho chinês é o fortalecimento da China como um país próspero, forte e rejuvenescido. No ambiente internacional, o sonho chinês se traduz na construção de uma sociedade que respeita as diferenças e a autodeterminação dos povos. Xi Jinping tem enfatizado repetidamente que as pessoas em todo o mundo partilham maravilhosos desejos semelhantes.

Cito, como exemplo, a capacidade da rápida transformação social que todos somos capazes de testemunhar hoje na China. Na vasta extensão do território chinês, as pessoas viajam de maneira fácil e rápida entre as cidades, principalmente por meio de trens de alta velocidade a preços acessíveis a todas as rendas. Instalações básicas de comunicação espalharam-se por todos os cantos da China. Mesmo em zonas montanhosas e relativamente remotas, as pessoas utilizam seus próprios celulares para mostrar as suas “vidas” seja no TikTok ou no Kawai, além de se conectarem com o mundo. Há uma logística excepcional que permite que o tempo de entrega entre a compra e o recebimento seja feito em menos de 48 horas. Tudo isso é feito através de um smartphone, pois até o pagamento está conectado. A China entendeu que antes de falarmos em inovação as pessoas precisam ter uma rede de infraestrutura que viabilize a inclusão econômica.

Entretanto, para se tornar a segunda maior economia do mundo, a viagem da China rumo ao desenvolvimento criou vários problemas, entre eles o ambiental, os quais ela se esforça por dirimi-los sobretudo a desertificação do solo e a poluição das águas. No entanto, é na última década que a China tem realizado feitos notáveis na proteção ecológica. Nesse sentido, há alguns anos, a China ocupa o primeiro lugar no investimento em energia limpa e recentemente desenhou um plano para alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060.

Por detrás de todas essas realizações está o objetivo do governo chinês de colocar sempre o povo em primeiro lugar. É também por esta razão que a China ganhou a maior e mais forte guerra contra a redução da pobreza na história da humanidade. Em fevereiro de 2021, Xi Jinping declarou que a China conseguiu erradicar a pobreza extrema, abrindo um novo capítulo em sua história. Cerca de 100 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza nos últimos oito anos, e todos os 832 municípios que estavam abaixo da linha de pobreza conseguiram sair de tal situação.  

É neste sentido que se comemora o centenário da fundação do partido comunista chinês. A primeira parte do objetivo do PCCh, construir de uma sociedade moderadamente próspera sem pobreza absoluta, foi atingida, respondendo à pergunta feita pelo povo chinês há mais de um século se a China seria um país desenvolvido sem pobreza e com equidade social como resultado do querer coletivo estabelecido pelos seus líderes, suas elites e seu povo. A partir de agora, o PCCh e a China inauguram a segunda parte: construir uma sociedade moderna sob a égide do sonho chinês.

Agora, pergunto-lhe: e o nosso Brasil? O que querem nossos líderes, as nossas elites e o nosso povo?

Que o leitor não se engane: desenvolvimento demanda tempo, planejamento e replanejamento. Soluções milagrosas não existem, elas requerem diálogo e foco em um propósito comum, e foi com a mentalidade voltada para o desenvolvimento e bem-estar coletivo que o povo chinês, desde a revolução comunista em 1949, vem atingindo metas de crescimento e desenvolvimento surpreendentes enquanto outros países amargam a recessão econômica e a fragmentação social.

Fica cada vez mais claro, para mim, que a nossa revolução precisa ser de mentalidade e propósito, que voltemos a ter compaixão e empatia pela vida humana e, por fim, que as “elites extrativistas” e as “elites transvestidas” do nosso país entendam que a prioridade não são elas, mas a nação como um todo, e a felicidade seja um bem comum. E que o sonho chinês possa servir de inspiração a um possível “sonho brasileiro”.

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*Alessandro Golombiewski Teixeira é professor de Economia e Políticas Públicas da Universidade de Tsinghua, em Pequim, e colunista de CGTN, China Today, Contemporary China e China Finance. Trabalhou em diferentes funções nos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.