Compromisso ético com as gerações futuras, por Maria do Rosário

Em artigo, deputada do PT explica o contexto que motivou a articulação da Frente Parlamentar de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; confira

Foto: Lula Marques/Liderança do PT na Câmara
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Por Maria do Rosário* Crianças e adolescentes compõem cerca de 60 milhões de habitantes em nosso país. Destas, um pouco mais da metade são não brancas, e pelo menos um terço da população indígena, em torno de 820 mil em 2016, é composta por crianças. E ainda que haja uma curva acentuada de envelhecimento da população, meninas e meninos representam uma enorme parcela de brasileiras e brasileiros. Uma promessa de que ainda serão vistas, bem vindas e ouvidas, por muito tempo, as brincadeiras e as risadas que caracterizam a infância e a adolescência em todo o mundo. Por outro lado, como demonstram muitos estudos recentes a partir de dados tributários, o Brasil continua entre os mais desiguais do planeta, em que o 1% mais rico ganha 72 vezes mais que os 50% mais pobres (Oxfam, 2019). Essa desigualdade no acesso à riqueza se reflete no acesso ao poder e também aos bens básicos que constituem os direitos humanos sociais e culturais. Assim, mesmo sendo um país de enorme potencial para garantir uma vida de qualidade à sua população, a concentração dos poderes econômico (e político) mantém um imenso fosso entre brasileiros; o que vai atingir o segmento da população que depende das decisões dos adultos para ter uma vida boa, ou seja, exercer o bem viver que é um direito de todas as pessoas. A partir de 1988, com a Constituição cidadã, se definiu que pessoas com menos de 18 anos no Brasil são prioridade absoluta. Significou dizer que na divisão do bolo, a maior parte deveria ser destinada às crianças e adolescentes, um investimento no presente e no futuro. De lá para cá o Brasil elaborou um arcabouço jurídico-legal com vistas a proteger e defender os direitos dessa parcela, mas ainda precisamos nos mobilizar para cumprir a carta magna: crianças e adolescentes seguem sendo os mais pobres da população, sem acesso a direitos fundamentais. O que se parece inimaginável e insuportável depois que o país saiu do Mapa da Fome em 2014 – crianças desnutridas, aumento da mortalidade infantil e necessidades básicas não supridas - é a dura realidade de cerca da metade de todos eles, com tendência à piora se considerarmos o congelamento orçamentário em 2016 nas áreas mais cruciais a essa parcela da população. O estudo realizado pelo Unicef (2018) denominado “Pobreza na infância e na adolescência”, demonstrou que o trabalho infantil, a falta de acesso à moradia digna, água, saneamento, educação e informação compõe a realidade da metade da população infantil e juvenil. Cerca de 34% vivem em famílias com renda per capita insuficiente para adquirir uma cesta básica de 350,00. O saneamento deixa de fora mais de 13,3 milhões de crianças e adolescentes, cerca de 7,6 milhões sem acesso à água, 8,8 milhões à educação e 5,9 milhões à moradia. O trabalho infantil ainda atinge a 2,5 milhões de pequenos brasileiros. Ainda que a legislação aprovada em 1990 – O Estatuto da Criança e do Adolescente, preveja a proteção contra a violência e que muitas medidas e políticas tenham sido adotadas, hoje, com o crescimento do tráfico de drogas e das milícias nas comunidades e periferias das grandes cidades, somada à liberalidade no uso das armas, tem levado ao aumento no número de vítimas e redução da faixa etária. Em 2018 foram 31 crianças e adolescentes mortos ao dia (Datasus, 2016) na guerra entre corporações policiais na repressão ao crime, quase todos meninos, negros, moradores de favelas. A soma de 2015 foi de 11.403 meninos e meninas de 10 a 19 anos vítimas de homicídios (Unicef). Hoje, há uma escalada de balas cruzadas, achadas e perdidas, a fazer vítimas inocentes e incontáveis. Nesse sentido, barrar a corrida à mudança nas restrições de acesso e porte de arma é um desafio que está vinculado à defesa da vida da infância e da juventude. Há uma verdadeira tragédia atingindo famílias e comunidades inteiras em nosso país. Uma importantíssima legislação também foi estabelecida para prevenir, punir e eliminar a violência, o abuso sexual, a pornografia, o tráfico sexual de meninas e meninos e os casamentos infantis. Estes temas ganharam visibilidade pública, políticas e a adesão de parcelas da sociedade no seu enfrentamento e combate. No entanto, a banalização da violência sexual, a culpabilização e o descrédito na palavra das vítimas e a proliferação do discurso violento que desconsidera as desigualdades de gênero e promove o discurso de ódio contra a diversidade sexual, têm levado a que ocorram até 4 estupros de meninas com menos de 13 anos por hora no Brasil. Uma tragédia para a vida presente e futura representada por traumas, gravidez indesejada, abortos inseguros, doenças sexualmente transmissíveis e o preconceito que marcará suas vidas. As desigualdades econômicas, articuladas com as desigualdades de gênero e raciais, cruzadas com a deficiência muitas vezes adquiridas na vida com violência, desenharam um quadro muitas vezes desolador, mas, ao mesmo tempo, desafiador a todos nós. Estas são algumas das razões que nos levam a rearticular um importante mecanismo de denúncia, debate e proposição, a Frente Parlamentar de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que integra a atuação do parlamento à sociedade, representada por suas organizações e movimentos sociais. Pois uma geração tem responsabilidade ética para com a próxima. No atual momento do Brasil, parlamentares de todos os estados e partidos políticos que a compõem, estão desafiados a impedir retrocessos legislativos, orçamentários e em políticas públicas que assegurem a dignidade humana e o desenvolvimento das crianças. Este desafio inclui o fortalecimento das instâncias de participação da sociedade como os Conselhos de Direitos, em especial o Conanda. A Frente desenvolve seu trabalho na proteção integral das crianças e adolescentes, no enfrentamento ao trabalho infantil, na garantia do direito à família original e substituta; na adoção e no cuidado e atenção integral com as crianças que não estão sob a guarda parental. Além do enfrentamento ao abuso e à exploração sexual. Crianças e adolescentes são nossas prioridades absolutas e o objetivo primeiro das nossas ações políticas, devendo ser vistas e respeitadas na sua diversidade de gênero, etnia, condição socioeconômica e deficiência. Crianças e adolescentes devem ser nossa alegria de viver, vamos lutar por isso. *Maria do Rosário é doutora em Ciência Política e deputada federal (PT-RS)
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