Devemos abandonar o WhatsApp? – Por Deivi Kuhn

Convido os leitores a protegerem sua vida pessoal e instalar o Signal e o Telegram, tanto pela qualidade das ferramentas, como para permitir que cada vez mais pessoas possam ter opção de proteger a sua privacidade.

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Por Deivi Kuhn *

Uma equipe em pleno trabalho não consegue mais coordenar suas ações por mensagens. Uma mãe que recebia orientações sobre medicação do pediatra para inesperadamente de receber mensagens. Amigos que haviam combinado uma conversa importante não entendem por que não conseguem completar a videochamada. Esses acontecimentos fictícios podem ter acontecido no dia 19 de março de 2021, ocasião em que vários serviços da empresa Facebook pararam de funcionar por problemas técnicos. A falha que causou mais impacto foi no WhatsApp, ferramenta de comunicação fundamental no dia a dia da maior parte da população brasileira.

O recente anúncio de mudanças nos termos de serviço do WhatsApp obrigará os usuários a compartilhar com as demais empresas do grupo seus metadados, informações coletadas pelo aplicativo sobre seu comportamento. Essa alteração será obrigatória, alertando o quanto estamos vulneráveis às decisões do Facebook. Devido à péssima repercussão à data de implementação, inicialmente prevista para o dia 8 de fevereiro de 2021, foi adiada para 15 de maio. A organização destacou em seu comunicado que o conteúdo das mensagens continuará privado e protegido por criptografia ponta a ponta.

O compartilhamento desses metadados não foi detalhado, mas podemos considerar que cada perfil pessoal, localização, contatos, comportamento de envio de mensagens, usuários com quem conversamos, entre outras informações, serão utilizados pelas empresas para estudar nossos hábitos e preferências e permitir o marketing direcionado. Na prática, isso significa mais conhecimento de como pensamos, possibilitando prever ações e influenciar nosso comportamento. Nesse mercado os verdadeiros clientes são os anunciantes e nós somos o produto.

Esses acontecimentos levaram muitos usuários a instalar ferramentas de comunicação alternativas, beneficiando os principais concorrentes, o Telegram e o Signal. Entender as vantagens e desvantagens de cada um é fundamental para uma escolha consciente. Importante ressaltar que na tecnologia da informação a segurança total não é possível, porém podemos optar pelas melhores escolhas e estratégias tecnológicas.

Dentre os três aplicativos, o Whatsapp é o que possui mais riscos. O uso de metadados para publicidade afeta nosso direito à privacidade. A função de criptografia ponta a ponta, utilizada por padrão, é sem dúvida um recurso muito importante, mas como seu código é fechado e não auditável não é possível verificar seu funcionamento.

A empresa, por ser sediada nos Estados Unidos, pode ser obrigada, conforme a atual legislação, a fornecer qualquer conteúdo ao governo, sendo necessário apenas a autorização de um tribunal secreto denominado Foreign Intelligence Surveillance Court. Nos documentos divulgados por Edward Snowden descobrimos a colaboração entre as agências de espionagem e a Microsoft para facilitar o acesso a mensagens criptografadas do MSN. Não seria nenhuma surpresa que essa prática continue sendo adotada.

O Telegram é o que possui o aplicativo com o maior número de funcionalidades. A organização de mesmo nome, criada na Rússia, moveu sua operação para Dubai como estratégia de evitar o acesso a dados por governos. Conforme o website da empresa, seu objetivo central é garantir a privacidade dos usuários. O aplicativo cliente é de código aberto, podendo ser plenamente auditado. Porém não conseguimos informações sobre o chamado “back-end” do serviço. Uma característica interessante da plataforma é que os dados são espalhados em diferentes países, não permitindo seu acesso com apenas um mandado judicial.

Um aspecto a ser observado é que estratégia de criptografia ponto a ponto difere dos demais e não é habilitado por padrão, fazendo com que o usuário tenha que criar explicitamente um “chat secreto”.

Os diálogos obtidos na operação Vaza Jato tornaram públicas várias ilegalidades da operação Lava Jato e levantou dúvidas sobre a segurança do Telegram. Porém, como foram divulgadas apenas conversas em grupo, é provável que houve acesso físico a um dispositivo em que as mensagens estavam armazenadas, ponto sensível em todos produtos analisados. Outra possibilidade é a obtenção de uma chave de acesso via engenharia social, muito utilizado em golpes e que pode ser evitado com o uso de autenticação em duas etapas, funcionalidade existente nos três aplicativos e que deve sempre ser habilitada.

Já o Signal é totalmente focado em segurança e sempre utiliza criptografia de ponta a ponta. É completamente auditável pois é um software livre e aberto. Por ser de uma organização sem fins lucrativos, não devemos ter interesses comerciais afetando seu futuro. A dependência de doações para sua manutenção é um ponto que pode afetar sua capacidade de atender um grande número de usuários, bem como o desenvolvimento de novas funcionalidades.

Como comparação final, o WhatsApp ataca nossa privacidade e sua única vantagem é a base de usuários, que cria o chamado “Efeito de Rede”, em que quanto mais usuários ativos, mais útil seu uso. O Telegram é uma boa escolha, principalmente por ter mais funcionalidades, desde que os usuários priorizem o uso de “chat secreto”. O Signal é sem dúvida a alternativa mais segura.

Convido os leitores a protegerem sua vida pessoal e instalar o Signal e o Telegram, tanto pela qualidade das ferramentas, como para permitir que cada vez mais pessoas possam ter opção de proteger a sua privacidade, preocupação que deve estar cada vez mais presente em nossa sociedade.

*Deivi Lopes Kuhn é analista de sistemas, ativista por um mundo com conhecimento e tecnologias livres e compartilhadas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.