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Por Nilto Tatto*
No dia 19 de agosto de 2019 a natureza manifestou uma faceta pouco conhecida ao povo paulistano, inclusive para aqueles que não creem sem ver. Foi uma segunda-feira de inverno em que a capital paulista testemunhou a noite chegar já no início da tarde.
Sentia-se no ar algo sombrio, como se estivéssemos a esperar por um tornado, uma grande tempestade ou qualquer evento catastrófico.
Por fim, viemos a saber que o fenômeno fora causado pela materialização das cinzas de florestas que ardem em chamas a quilômetros de distância, no norte e centro-oeste do país, trazidas como que por maldição para cima de nossas cabeças.
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A metrópole paulista, tão distante da Amazônia, finalmente viria a conhecer o fenômeno dos rios voadores, na ocasião disfarçados de apocalipse.
Os rios aéreos, ou voadores, como são chamados, são o resultado de correntes de ar que se deslocam por todo o planeta. São um excelente exemplo para ilustrar como a natureza ignora fronteiras geográficas impostas pelo ser humano, interligando os mais diversos ecossistemas ao redor do globo.
Como bem ilustrou o meteorologista José Marengo, podemos imaginar essas correntes como um ônibus
que não realiza paradas, mas que por onde passa carrega passageiros. Da África carrega poeira do deserto; ao passar por cima do Oceano Atlântico, uma grande quantidade de umidade “embarca” no coletivo; na Amazônia, por sua vez, a poeira que veio da África é despejada com nutrientes que ajudam na fertilização da floresta que por fim, carrega para o sul uma imensa quantidade de umidade resultante da transpiração das árvores. E assim segue por todo o Planeta.
Uma única árvore amazônica, a depender do tamanho, pode transpirar mais de mil litros de água em um único dia. Se multiplicarmos isso por bilhões de árvores nesta imensa floresta, segundo o cálculo de estudiosos como Marengo, concluiremos que essas árvores podem produzir 20 bilhões de litros (ou toneladas) de água por dia. O
resultado disso são imensos rios voadores, que podem ter até 2 quilômetros de altura, fluindo pelo céus da América Latina, carregando mais água do que o próprio rio Amazonas em determinadas épocas do ano.
O Brasil é o maior país da América Latina e detentor da maior área de florestas do continente. Esta seria uma notícia boa em um cenário normal, que não é a situação atual. De 2018 para cá, a região Cento-oeste do país registrou aumento em mais de 100% do número de incêndios. De acordo com uma reportagem recente do jornal Folha de São Paulo, fazendeiros do entorno da BR-163, no sudoeste do Pará, anunciaram no último dia 10, "o dia do fogo", uma iniciativa que, segundo produtores locais, pretendia “mostrar ao Bolsonaro que os fazendeiros querem
trabalhar”. O jeito que encontraram para isso foi criar uma campanha que tem levado à devastação da floresta.
Neste mesmo dia, o INPE registrou uma explosão dos focos de incêndio na região. O caso está sendo investigado pelo MPF.
O fato é que uma enorme quantidade de incêndios tem assolado o Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além do Pantanal paraguaio e a Amazônia boliviana. O Acre chegou a declarar estado de alerta pela quantidade de florestas queimadas.
Acontece que as partículas destas queimadas foram trazidas para o Sudeste pelos rios aéreos, aderindo à frente fria que se deslocava para a região, possibilitando, pela primeira vez, observar a olhos nus a interferência da Amazônia
no resto do Brasil.
No centro de tudo isso, infelizmente, não há uma mensagem de alento. Elegemos um (des)governo que nega a ciência, tendo expulsado do INPE um dos nossos maiores pesquisadores espaciais; que nega os direitos dos povos tradicionais; que libera uma quantidade insuportável de agrotóxicos em um único ano; que incentiva a derrubada de florestas; que ignora o assassinato de indígenas e ativistas e fomenta tudo que há de pior na sociedade contemporânea.
Cito ainda diversas práticas e políticas adotadas pelo executivo federal que ajudam a produzir fenômenos como o avistado ontem, seja no desmonte da FUNAI e do INPE; no fim da Agência Nacional de Águas; na revisão de unidades de conservação; na flexibilização dos licenciamentos ambientais; no quadro de militares ocupando cargos de especialistas; na negação das mudanças climáticas e políticas para contenção; na exploração de petróleo e visitação descontrolada em Abrolhos e, mais recentemente, na desastrosa perda de milhões de reais que vinham para o Fundo da Amazônia, inclusive para o combate à incêndios.
Aqui, na Câmara dos Deputados, temos trabalhado diariamente, horas a fio tentando conter os desastres promovidos por Ricardo Salles. Propusemos um texto alternativo ao relatório do deputado Kim Kataguiri para a Nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental; temos enfrentado com unhas e dentes os sucessivos projetos de liberação da caça e ampliação do acesso às armas de fogo; não nos furtamos jamais à defesa dos povos indígenas e quilombolas, os verdadeiros guardiões das florestas e no fortalecimento de órgãos de fiscalização e controle, como o IBAMA e o ICMBio.
No entanto, precisamos mais do que nunca do apoio dos movimentos sociais e da população brasileira como um todo. Sem vocês, estas batalhas estarão praticamente perdidas.
Um bom exemplo de como a sociedade pode se mobilizar é engrossarmos o caldo da Greve Global pelo Clima, que acontecerá em todo o planeta entre os dias 20 e 27 de setembro. Em São Paulo, um ato está sendo chamado por diversas organizações da sociedade civil para o dia 20 de setembro, no MASP, às 16h.
Outros estados e cidades também precisam se mobilizar. É fundamental ampliar o
diálogo, conversar nas escolas de nossos filhos, com nossos chefes e colegas de
trabalho para encontrar formas de frear os retrocessos impostos por este
(des)governo.
Se o Brasil queria uma pauta para capaz de nos unificar, aí está ela: a defesa da vida.
*Nilto Tatto é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar Ambientalista