Eleições nas Filipinas: Entre as similaridades de Duterte e Bolsonaro, uma lição para o Brasil

As eleições das Filipinas, que acontecem no próximo dia 13 de maio, podem significar "um prego no caixão da democracia" no país governado por Rodrigo Duterte, que carrega muitas similaridades com Bolsonaro. Fica a lição para o Brasil

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Por Cecilia Lero* No dia 13 de maio as Filipinas vão eleger mais de 18.000 representantes públicos, desde vereadores, prefeitos municipais, até deputados nacionais. A atenção maior, no entanto, está na corrida por 12 posições do Senado Nacional, que representa metade da Câmara Superior. A pesquisa mais recente, feita em abril, indica que os candidatos aliados do presidente Rodrigo Duterte provavelmente vão ganhar 11 das 12 posições, colocando em risco a independência da instituição - chave para controlar a expansão do poder do presidente. Por que isso importa ao Brasil e aos brasileiros? Porque as Filipinas podem ser um caso didático para o Brasil. As similaridades são inegáveis e, para esta filipina morando no Brasil, alarmantes. Duterte foi eleito como presidente em 2016 com 39% dos votos válidos, sendo que sua campanha teve foco na promessa de destruir dois inimigos do povo filipino: os bandidos/traficantes e a corrupção. Seis meses antes da eleição, Duterte era apenas um candidato marginal, com menos de 20% das intenções de voto. Sua campanha extremamente divisiva apontava o dedo para cor “amarela” como tudo do mal, burro, ou antinacional, curiosamente a cor do partido do presidente daquele época. Vendeu uma imagem de homem duro e machão, em que disse até que adorou a campanha por poder “beijar muitas mulheres nos eventos”. Como se isso não bastasse, enquanto prefeito, quando viu o cadáver de uma missionaria australiana que foi estuprada e assassinada durante um motim na prisão, tentou justificar o injustificável: “Ela era tão bonita, tão branca... É o prefeito que deve ter o direito de estuprá-la primeiro!” Dutert,  que vem de uma família poderosa, teve seu pai governador de sua província e também membro do gabinete do ditador Ferdinando Marcos (1965-86). Não obstante, posou de anti-sistema em sua campanha atacando “elites", “oligarcas” e “políticos tradicionais” com vigor, como se nunca tivesse existido uma crítica ao establishment tão honesta. Com a rejeição de parte da mídia tradicional, a campanha de Duterte construiu uma forte estrutura online com a capacidade de criar e distribuir propaganda com uma eficácia nunca vista nas Filipinas, utilizando uma combinação de blogueiros profissionais, seguidores dedicados e “trolls”. Hoje, essa máquina continua sendo parte da comunicação do governo para controlar a informação. O exemplo mais famoso é uma blogueira de sexo que converteu sua página do Facebook numa página dedicada a elogiar Duterte e atacar outros candidatos com “fake news" e chamar a imprensa de “presstitutes” (uma combinação das palavras inglesas “imprensa” e “prostituta”). Quando Duterte ganhou as eleções, nomeou a blogueira como secretária assistente da comunicação do palácio. No mundo atual, não falta líderes da extrema-direita usando o ódio e “fake news” para ganhar poder, mas é importante lembrar que nos países do Sul global nossas instituições ainda são bem fracas para nos proteger das ameaças contra a democracia. Enquanto Duterte não compartilha exatamente a a mesma ideologia tradicional conservadora como Bolsonaro, eles compartilham o desprezo para democracia e direitos humanos. Após uma crítica contra Duterte, a presidente da Suprema Corte foi “retirada” em maio 2018, em um processo que questionou a validade de sua nomeação. A senadora mais crítica da violência policial, por sua vez, acabou dois anos presa depois do ministro da Justiça acusá-la de ser uma “Baronesa das Drogas”. E, agora, o governo tenta prender mais dois senadores críticos. Por outro lado, setores opositores da mídia continuam sendo objetivo de ataques. Mas, pior que os ataques contra as instituições democráticas são os ataques contra o povo. Em abril, uma equipe de acadêmicos divulgou informações sobre o assassinato de mais de 7.000 pessoas pela polícia, justiceiros e milicianos conectado à “guerra contra as drogas” do presidente. As organizações para direitos humanos e políticos da oposição estimam que o número total dos assassinatos se aproxima de 20.000 pessoas. Quase todas eram pessoas pobres morando em favelas! Dados esses fatos, as eleições para o Senado são cruciais. Com a maioria do judiciário e uma vitória no Senado - uma vez que já tem a Câmara - , Duterte não terá mais nenhuma instituição para contrabalancear o seu poder. Ciente do problema que um Senado independente pode trazê-lo, Duterte indicou como candidatos aliados próximos e leais, mesmo sem experiência legislativa alguma - particularmente seu chefe da polícia, responsável por começar a “guerra contra as drogas”. As pesquisas indicam que os dois vão ganhar. Entre outros candidatos endossados pelo presidente estão a filha do ditador Marcos e dois ex-senadores implicados num dos maiores escândalos de corrupção da história do país, ambos presos durante o governo anterior e liberados durante o governo Duterte. A lição é que quando um populista antidemocrático ganha poder, ele vai usar todos os recursos (i)legais para consolidar e aumentar seu poder. No livro “Como as Democracias Morrem”, os professores Steve Levitsky e Daniel Ziblatt falam que as democracias podem morrer por caminhos legais, inclusive, através de eleições. Neste sentido, se a oposição perder no próximo dia 13 de maio, significará mais “um prego no caixão da democracia filipina”, o caminho para o autoritarismo. Para o Brasil e os brasileiros fica a lição filipina, pois Bolsonaro guarda muitas similaridades com Duterte! Não podemos nos dar ao luxo de dizer  “vamos ver”. O desafio imediato é não permitir que instituições e processos democráticos sejam aproveitados para derrubar a democracia. Não estamos em tempos normais. As linhas já estão sendo cruzadas. Eles já começaram. E nós? *Cecilia Lero é uma cientista política natural das Filipinas residente em São Paulo. Doutora em Ciências Políticas pela Universidade de Notre Dame (Estados Unidos)