Existe educação sem amor?, por Thiago Risso

"Uma educação inquieta e problematizadora atende também ao propósito de romper com a rigidez de uma estrutura burocrática e política que serve aos poderosos e penaliza os mais pobres"

Escola municipal de Niterói | Foto: Divulgação/Eires Silveira
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Por Thiago Risso*

Acompanhávamos atônitos os efeitos da pandemia nos outros países, alguns não acreditavam que o Brasil sofreria as mesmas consequências. Mas, no início de 2020, vimos a Covid-19 chegar e alterar, drasticamente, a nossa vida. De repente, tudo mudou… Muitos demoraram a perceber a gravidade da situação, preferiram a ilusão das fake news (mentiras) e do “tratamento precoce" que não possui nenhum compromisso com a medicina baseada em evidências científicas. A "pseudoprofilaxia" foi amplamente divulgada em todas as mídias, uma cortina de fumaça para encobrir o descaso e a incompetência do atual governo federal.

Nesse cenário caótico testemunhamos a tentativa de desvalorização da ciência, dos seus incansáveis pesquisadores e, consequentemente, das universidades. Mais uma vez, na história desse país, a educação pública foi alvo da desfaçatez dos interesses escusos do governo federal e empresários de grandes corporações. Afinal, a quem interessa um povo com educação de excelência, crítico, protagonista, que sabe se articular coletivamente para implementar as mudanças necessárias à construção de uma sociedade mais igualitária, inclusiva e autônoma?

Um silêncio aterrorizador tomou conta das escolas. Um local de vida pulsante e cheio de movimento, de repente, perdeu seu propósito e sua alegria. A escola existe por e para nossas crianças, jovens e adultos. Entretanto, eles se encontravam trancados em suas casas e nesse momento da pandemia estava escancarada a realidade brasileira: a perversa desigualdade social não poderia mais ser disfarçada.

Aqueles que tinham recursos para acompanhar as aulas remotas seguiram os seus estudos, mesmo com dificuldades. E os nossos milhões de estudantes que não possuíam a estrutura básica para viver, muito menos para estudar nesse contexto!? O que fazer??? Sem acesso à escola, outras demandas sociais foram expostas para toda a sociedade. Como resolveríamos a questão da falta de um espaço adequado com os aparelhos necessários e boa conectividade para acompanhar as aulas on-line?

Ao longo do tempo, acompanhamos as sucessivas tentativas de redução do financiamento da educação e a desvalorização desse segmento pelo atual governo federal. A falta de comprometimento contribuiu para essa realidade: milhões de alunos sem o acesso à educação, direito garantido na Constituição de 88, revelando, assim, a nossa incapacidade de promover a inclusão, efetivamente.

Nesse contexto, nos deparamos, mais uma vez, com o brilhantismo dos profissionais da educação que arregaçaram as mangas e buscaram criar atividades, apostilas, cadernos de apoio à aprendizagem para alcançar as crianças, jovens e adultos sem acesso à tecnologia. Os professores se reinventaram para, também, em tempo recorde, produzir conteúdos digitais, tais como vídeos e aulas interativas. Vale ressaltar que, muitas vezes, com seus próprios recursos, dando conta das demandas familiares e enfrentando a fragilidade que a pandemia trouxe a todos nós: emocional, física e financeira.

Como eles conseguem tal feito? O que move esses profissionais? São forjados do mais qualificado material, o humanismo! Seguram com mãos firmes a bandeira da educação pública de excelência. Possuem uma força sobre-humana! São comprometidos com a construção da vida de seus alunos. Uma vida proativa, com profundo sentimento de pertencimento, de protagonismo, prosperidade, felicidade e amor! Aos professores, nossa mais profunda gratidão.

Não existe educação sem o profissional da educação, sem investimento, sem respeito e valorização! Se almejamos uma sociedade evoluída, precisamos internalizar a importância da educação nesse processo e, assim, garantir que nossas crianças, jovens e adultos tenham seus direitos assegurados como sujeitos ativos, autônomos e transformadores.

Em Niterói, trabalhamos pela formação integral dos alunos. Neste sentido, implementamos iniciativas que fortalecem a busca das escolas por: segurança alimentar, conectividade, igualdade racial e de gênero, liberdade religiosa, cultura, sustentabilidade, saúde, esporte, lazer, dentre outros.

Encontramos algumas dificuldades na execução das políticas públicas, seja por conta da organização elitista da administração pública brasileira ou pelo conservadorismo extremo que tenta se impor, mas trabalhamos todo dia para superá-las. Uma educação inquieta e problematizadora atende também ao propósito de romper com a rigidez de uma estrutura burocrática e política que serve aos poderosos e penaliza os mais pobres.

A história recente nos mostra que gestões e governos que buscam romper com a dominação das elites foram perseguidos e atacados, mas da luta não fugiremos. Não existem correntes ou barreiras que não possam ser superadas. Nosso propósito maior é fortalecer a relação educador e educando para que juntos possam construir sua história e transformar seu mundo. Disso não abriremos mão. Conforme defendido por Paulo Freire, na obra Pedagogia da Autonomia, ensinar, nessa perspectiva, "se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes."

A formação integral é mais do que aprender e decodificar, é integrar, humanizar, reconhecer histórias, trajetórias e inquietações. Romper com tempos e espaços rígidos, reconhecendo as especificidades dos diferentes sujeitos.

“Não existe educação sem amor”. Viva, Paulo Freire! Em nós, por nós!

*Thiago Risso é pesquisador e subsecretário da Educação de Niterói

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.