Genocídio e escravidão com classe – Por Normando Rodrigues

Matar 600 mil pessoas se tornou algo nem sequer deselegante. Lucrar com a mortandade e a escravidão passou a ser elogiável. Contas em paraísos fiscais, então? Trés chic et très mignon!

Foto: Investing.com (Reprodução)
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Por Normando Rodrigues *

Bacana!

Na segunda-feira, 4 de outubro, The Economist anotou sobre os Pandora Papers que, apesar de não ser necessariamente ilegal, a prática em geral é adotada para facilitar a evasão fiscal, ou para lavar dinheiro de origem inconfessável.

Isso é “bacana”! Até o ministro da economia e o presidente do Banco Central lucraram com o câmbio que eles mesmos influenciam, sem que a expressão “conflito de interesses” apareça.

Condenável é pensar no bem estar de pobres e pretos. Dívida da escravidão? “Que dívida? Eu não escravizei ninguém!” Mito!

Máquina do tempo

A escravidão nos marcou tanto que ainda hoje determina fenômenos como o morticínio de jovens negros, a restrição de oportunidades, e a pequena senzala chamada “quartinho de empregada”.

Foi do “quartinho” que em agosto a babá Raiana tentou fugir e caiu cerca de 10 metros. Isso na mesma Salvador da Revolta dos Malês, de 1835, cuja pauta pelo verdadeiro direito de ir e vir é atualíssima.

A família escravista do caso Raiana poderia se chamar “Guedes”, nome do escroque-mor de Bolsonaro. O Guedes que se indigna contra empregadas na Disney e filhos de porteiros nas universidades.

Rumo ao passado

Guedes é cria do concubinato neoliberal-fascista que no Chile de Pinochet fez o peso da indústria no PIB do país cair de 25% para 10%, e multiplicou a desigualdade social.

Aqui, essa dupla chaga constrói o passado. A participação da manufatura no PIB caiu a 10,3%, nível da década de 1910, e 52% da população está em insegurança alimentar.

O processo de substituição de importações, que terminou de industrializar o Brasil, foi revertido. Agora as importações substituem a indústria.

Terceiro

Não custa lembrar que a substituição de importações teve ferrenhos inimigos em entreguistas adoradores dos EUA, tais como O Globo e Roberto Campos, o detestável Bobby Fields, serviçal de Washington.

E foi por amor à bandeira americana que o fascista Bolsonaro, outro capacho dos “irmãos do norte”, colocou Bobby Fields Terceiro na presidência do Banco Central. Meritocracia pura!

Normal, portanto, que nossa maior autoridade monetária, Bobby Fields Terceiro, seja freguês de contas bancárias paradisíacas, enquanto aqui as indústrias fecham.

Agrotrogloditas

Junto com as indústrias, foi-se o efeito positivo da educação na mobilidade social e distribuição de renda, anulado pela sociedade agrocrata.

De 2012 a 2021 a escolaridade média da metade mais pobre da população brasileira subiu de 6,4 para 8,1 anos, mas a massa salarial dessa parcela despencou 26,2%, graças à Reforma Trabalhista de Temer, aprofundada por Paulo Guedes.

A ascensão social sob Bolsonaro-Guedes está reservada aos agrotrogloditas e seus capitães-do-mato, e aos matadores de velhinhos da saúde privada, área na qual o racismo é ainda mais visível.

Mercadores

Na área de saúde do Brasil, 78% dos executivos, e mais de 67% dos profissionais da medicina, são brancos. Quanto à origem, só 6,8% dos médicos vêm das classes “D” e “E”, o que explica os Mengeles e Capitãs Cloroquina.

Essa alva saúde privada, limpa e cheirosinha, lucrou com a pandemia. Por exemplo, a Qualicorp faturou R$ 517 milhões no 1° semestre deste ano, e cobrou da clientela um reajuste de 16%, o dobro da inflação no período.

Com esse resultado o chefe da empresa, Bruno Blatt, pôde contratar a cantora Ludmila e fechar as áreas de evento do Copacabana Palace para a “festinha” de 15 anos de sua filha, no sábado, dia 2 de outubro.

Ossos

Para tristeza do papai, no dia seguinte não foi a comemoração da filhinha que saiu na manchete do “The Guardian”, e sim a nossa realidade social fascista, retratada em ossos.

A memorável foto de Domingos Peixoto, capa do “Extra” em 29 de setembro, mostrou famélicos a vasculhar carcaças, e foi replicada pelo jornal londrino.

Lado a lado, a festa da debutante e a catação de proteínas no lixo não contrastam. Longe disso, se complementam em simbiose perfeita. Uma existe em função da outra, tal e qual “elois” e “morloks”.

Wells

Em 1895, Herbert George Wells publicou seu “A Máquina do Tempo”, alegoria extrema da luta de classes. No romance, 800 mil anos no futuro a humanidade teria evoluído para duas raças distintas.

Os “elois”, simplórios, belos e graciosos, servem de gado, mantidos pelos mal-acabados “morloks”, que vivem no subterrâneo e se alimentam dos primeiros.

Para quem ainda não entendeu: os acepipes e regalos servidos na celebração do Copa, foram feitos de almas e corpos humanos. Assim como os lucros de Guedes e de Bobby Fields Terceiro.

*Jorge Normando Rodrigues é assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.