Juca Ferreira: Reflexões a partir do editorial da Rede Bandeirantes

É a reação de todo um setor diante da “irresponsabilidade” absoluta do setor mais ideológico do governo, ao comprar briga com o maior cliente das nossas commodities agrícolas

Bolsonaro e João Carlos Saad, presidente da Band (Foto: Isac Nóbrega/PR)
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Por Juca Ferreira*

Nada mais político do que a manifestação de uma classe social economicamente importante e politicamente poderosa. O agronegócio e quase todo o setor dos proprietários agrários que são liderados por eles deram sustentação ao golpe, apoiaram Temer e fazem parte do bloco de classe que apoiou a eleição de Bolsonaro.

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Por isso, esse editorial da Bandeirante está repercutindo: porque é uma novidade, sintoma das mudanças políticas que estão ocorrendo no país. E é a reação de todo um setor diante da “irresponsabilidade” absoluta do setor mais ideológico do governo, ao comprar briga com o maior cliente das nossas commodities agrícolas. O Eduardo Bolsonaro vocalizou como um papagaio uma provocação do Trump com os chineses.

Esse setor político que tem no filho do Presidente e no Chanceler dois dos seus militantes mais aguerridos e folclóricos é o seguimento ideologicamente fascista e que estão sendo questionados por quase toda a sociedade.

Bolsonaro, os filhos, parte dos generais do governo, alguns ministros estão se isolando rapidamente por absoluta incapacidade de conduzir o país e por estarem tentando a qualquer custo dar outro golpe dentro do golpe.

Os segmentos econômicos que dão sustentação a este governo são mais pragmáticos. Não dão ponto sem nó. A tentativa desse setor mais voluntarista e mais ideológico da direita brasileira de mobilizar suas bases contra o Supremo e o Congresso deu errado. Estão na contramão do momento grave que o país está vivendo.

E a pandemia atinge o país em um momento de muita fragilidade. A crise econômica está se agravando rapidamente e já falam, no próprio âmbito do governo, em recessão.

Aquela imagem, construída pela Globo e toda a mídia, de Guedes como um ministro eficiente, que com o receituário neoliberal (Estado mínimo, privatização de todos os ativos do país, redução dos direitos que são parte do sistema frágil de proteção social, desregulamentação da economia, destruição do sistema de proteção ambiental etc..) traria progresso e desenvolvimento para o país está se desfazendo com a mesma rapidez com que foi construída pelos meios de comunicação.

As próprias medidas advindas da crise do coronavírus estão por si só questionando politicamente o governo e sua ideologia neoliberal.

O SUS, que estava em vias de ser destruído em favor do setor privado dos planos de saúde está se mostrando, mesmo com todas as suas fragilidades, o grande ativo da sociedade para fazer frente ao que virá. A própria idéia de Estado mínimo está visivelmente em cheque.

É hora dos segmentos democráticos e a esquerda se movimentarem para apresentar para a sociedade sua proposta. É hora de recompor o projeto de desenvolvimento do país com mais democracia, com redução da desigualdade social, soberania e sustentabilidade.

Nada na sociedade acontece sem que as forças políticas façam seu trabalho de conscientização e articulação dos setores sociais que tendem a apoiar um determinado caminho. Essa é a função dos partidos políticos. E nesse momento, é preciso apresentar propostas de superação dessa crise que, a esta altura, não é só sanitária.

As panelas em todo Brasil estão gritando Fora Bolsonaro! E enquanto isso não acontece, estamos como uma nau sem rumo.

*Juca Ferreira é ex-ministro de Estado da Cultura nos governos Lula e Dilma