Lista de opositores vigiados do ministro André Mendonça emula o Franquismo, por Henrique Rodrigues

Ainda que o Bolsonarismo vista apetrechos de vários regimes ditatoriais do passado, o submisso ministro da Justiça e Segurança Pública procura ganhar terreno como o supermeganha inquisidor, assemelhando-se a Arias Navarro, chefe da famigerada DGS de Franco, na Espanha

André Mendonça e Jair Bolsonaro (Foto: Advocacia-Geral da União)
Escrito en DEBATES el

*Por Henrique Rodrigues

Sempre que fuçamos as entranhas do psiquismo bolsonarista encontramos traços e vestígios de inúmeros sistemas repressivos caducos. Esse emaranhado de maluquices e paranoias, que alguns preferem chamar de governo, está sempre às voltas com alguma ideia monstruosa implantada por uma ditadura pretérita qualquer.

Não precisa se esforçar muito para lembrar que seu ministro da Economia conta a todos, com orgulho, que quando jovem fez parte da equipe econômica de Augusto Pinochet, o ditador assassino do Chile (1.973 - 1.990), que com sua pervertida política econômica ultraliberal e entreguista lançou os chilenos na miséria social que vemos hoje. Paulo Guedes quer um futuro igualzinho para o Brasil com suas "reformas", utilizando os mesmos métodos.

O próprio Bolsonaro já fez elogios públicos e rasgados a Pinochet, assim como a Alfredo Stroessner, líder da ditadura paraguaia (1.954 - 1.989), um criminoso cruel e acusado de pedofilia, com farto material probatório. As palavras doces para Stroessner foram ditas numa cerimônia de Estado na usina de Itaipu e, de tão absurdas, deixaram todos constrangidos e horrorizados no recinto.

Numa outra oportunidade já falei também sobre a lógica distorcida e crudelíssima pela qual o presidente brasileiro enxerga tudo, muito análoga à de Emilio Massera, o sádico e diabólico chefe da Armada Argentina durante o autodenominado 'Proceso de Reorganización Nacional' (1.976 - 1.983), uma ditadura atroz que deixou mais de 30 mil mortos e desaparecidos no país vizinho.

No entanto, um fato inacreditável que veio à tona nos últimos dias, levado a cabo pelo ministro da Justiça e Segurança Pública André Mendonça (aquele que processa meio mundo com base na Lei de Segurança Nacional), fez lembrar de uma figura sinistra do aparelho repressivo da Espanha Franquista (1.939 - 1.975): o chefe da DGS ( Dirección General de Seguridad ), ministro de Governança e presidente do Conselho de Ministros de Franco, Carlos Arias Navarro.

(As informações a seguir são sobre Arias Navarro, não acusações ou fatos imputados ao ministro, ok? Vai que ele me processa com base na Lei de Segurança Nacional também… O seguro morreu de velho!)

Personagem famoso em seu país e muito fiel a Francisco Franco, esteve envolvido nos mais sanguinários episódios da história espanhola no século XX, desde a Guerra Civil (1.936 - 1.939), quando comandou o fuzilamento de 16.952 dissidentes, em Málaga, entre o período do conflito e os cinco primeiros anos da Ditadura Franquista, ganhando a alcunha de 'carnicerito'.

Na DGS, impôs o terror com torturas e execuções na antiga sede do órgão, o imponente edifício da Real Casa de Correos, que hoje abriga a Prefeitura de Madrid.

Numa dessas sessões, em 1.962, seus homens jogaram o líder comunista Julián Grimau pela janela do prédio. Ele sobreviveu, com as mãos e a face quebradas. Entretanto, foi fuzilado no ano seguinte.

Conhecido por sua paranoia com monitoramentos e "inteligência", Arias Navarro grampeava agentes repressivos, ministros de seu gabinete e até o futuro rei da Espanha no exílio, à época Príncipe de Astúrias, Juan Carlos.

Ele tinha listas para tudo e um bom motivo para vigiar todos. Pelo bem da segurança nacional.

Parece familiar, não é?

Não sei se André Mendonça conhece essa figura histórica espanhola. O fato do ministro ter feito suas teses de mestrado e doutorado (na área de Direito) na Universidade de Salamanca não significa que ele tenha profundo conhecimento sobre o regime simbolizado pela Águila de San Juan.

Mas voltemos ao Brasil.

Há uns dias o colunista do UOL Rubens Valente teve acesso a um estarrecedor dossiê produzido pela gestão bolsonarista no MJSP que, mais uma vez, apresenta características medonhas típicas de regimes de exceção. O Ministério da Justiça, comandando por André Mendonça, realizou uma "ação sigilosa" (leia-se inconstitucional, sem qualquer amparo ou supervisão judicial) que lista e monitora 579 policiais e professores que se assumem "antifascistas", para fins de inteligência.

Um deles é Paulo Sérgio Pinheiro, professor da USP e fundador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), que já foi secretário nacional de Direitos Humanos, membro da Comissão Nacional da Verdade, e docente na Brow University, Columbia University, Oxford e na prestigiada École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris. Atualmente Pinheiro é relator da ONU para os Direitos Humanos na Síria.

Já me acostumei a dizer essa frase, mas… Você não leu errado. É exatamente isso.

O chefe da pasta responsável pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança produziu uma lista com nomes de policiais e professores que são críticos ao governo e ela foi distribuída a outros órgãos de segurança e inteligência, de outras esferas, como a Abin, o CIE (Exército) e o GSI, com a finalidade de vigiar e ficar no encalço desses cidadãos brasileiros que não cometeram nenhum crime e sequer devem explicações à Justiça sobre qualquer coisa.

Ninguém sabe se a inciativa partiu dele ou de Bolsonaro, mas o fato é que foi realizada sob a batuta do ministro.

Como todos veem, trata-se de arapongagem policialesca das mais barata, à margem do Estado Democrático de Direito, ferindo abertamente o artigo 5°, IV, da Constituição Federal, que assegura "livre manifestação do pensamento, vedado o anonimato". Perseguição estatal por razões puramente político-ideológicas.

Ainda que o Bolsonarismo vista apetrechos de vários regimes ditatoriais do passado, o submisso ministro da Justiça e Segurança Pública procura ganhar terreno como o supermeganha inquisidor, assemelhando-se a Arias Navarro, chefe da famigerada DGS de Franco, na Espanha.

Se começarmos a perceber com mais atenção a fauna do governo Bolsonaro, aparecerão mais coisas comuns ao regime de Franco. E eu não falo só da fervorosa interferência religiosa nos assuntos do Estado e do isolacionismo puritano e hipócrita pregado por ambos.

O Bolsonarismo já tem até o seu jornalista (sic) oficial(ista), o narrador da psicose verde-amarela, como foi Emilio Romero Gómez, cínico cronista oficial da maravilhosa ditadura de Franco. Alexandre Garcia, porta-voz de João Batista Figueiredo, último ditador do Brasil, que é um reacionário fervoroso, de língua ferina, já tem feito isso nos últimos tempos.

Se continuarmos assim, em pouco tempo só nos faltarão as touradas e o hábito de comer chouriço diariamente, uma vez que os mecanismos de controle ideológico dos cidadãos, ao que tudo indica, parecem já estar a todo vapor por aqui.


*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira.