A micareta flopada de Jair

Eleito sem qualquer projeto, e há dois anos e meio presidindo sem projeto, Bolsonaro digere a frustração do apoio ao autogolpe que, ironicamente, o obrigaria a apresentar um projeto

Ilustração: DGC
Escrito en DEBATES el

Por Estevan Mazzuia *

Hoje não falarei de um desfile de carnaval propriamente dito. Não consigo pensar em um único cortejo comparável ao fiasco dos golpistas que querem “impor a democracia”, seja lá o que isso signifique. Falarei do carnaval promovido por JB, que está transformando o Brasil numa interminável quarta-feira de cinzas.

Embora, felizmente, pareça estar se aproximando do fim a patuscada de Jair. Depois de uma extensa preparação para os atos golpistas de 7 de setembro, tão grande que nem os grupos de oposição foram capazes de subestimar o evento, o que se viu foi um enorme fiasco. A tentativa de concentrar as já insignificantes manifestações pelo Brasil em dois lugares, São Paulo e Brasília, acabou por desnudar a dimensão da própria insignificância do presidente.

Ao colocar na rua seu bloco de sujos, Bolsonaro partiu para o tudo ou nada. Isolado e abandonado, conseguiu o nada. Um tiro no pé que deve resultar no aumento do preço de apoio do Centrão. A questão não é mais “se”, mas “quando” se dará o desembarque do grupo fisiológico, parafraseando Eduardo, o Bananinha.

Sim, é verdade que foram grandes as reuniões de tresloucados que buscam liberdade na extinção da democracia. No Rio, em Brasília e em São Paulo. Mas se estima que o número de adeptos da micareta oscilou em torno de 5% do esperado. Nem o maior pessimista (ou otimista, a depender do ponto de vista) seria capaz de prever uma “flopada” dessa magnitude. Isso com transporte, sanduíche de mortadela e R$ 100 de vale-refeição, tudo bancado por alguns empresários fascistas. A expressão de frustração de JB ao sobrevoar a Esplanada de helicóptero não dá margem a qualquer outra interpretação.

Paralelamente, os ataques ao STF minguaram as chances de negociar, junto ao órgão, o calote no pagamento dos precatórios em 2022, aposta do desgoverno para financiar um incremento no Bolsa Família, com verbas que não mais pertencem à União. Assim, JB viu subirem no telhado as chances de reeleição. Agora, a meta é estender ao máximo a agonia que vive, adiando a inevitável prisão.

Nos grupos bolsonaristas das redes sociais, houve um misto de decepção e resignação, daqueles que acreditavam que Jair finalmente cumprisse as ameaças que não metem medo em mais ninguém, àqueles que seguem acreditando que Bolsonaro é um estrategista do jogo de xadrez político, por mais que o tal “mito” deixe cada vez mais claro que sequer consegue jogar damas.

O desfile da farândola bolsonarista vai chegando ao fim com muitos “foliões” tirando a fantasia antes mesmo de chegarem à Praça da Apoteose, e diversas alegorias quebradas ao longo da avenida.

Por falar em alegoria, nota 10 para a piroca verde-e-amarelo da Paulista. Aqueles que temiam as “mamadeiras de Haddad” desfilaram ao lado de um grande falo inflável, sintomaticamente posicionado sobre um carrinho de supermercado. Vazio. Essa desgraça toda vai passar e, quando a gente volte a sorrir, a lembrança desse ocorrido certamente estará bem referenciada nos anais anedóticos do país da piada pronta.

Agora, farei um apelo aos bolsonaristas: podem ficar com o falo, mas nos devolvam o verde e o amarelo; devolvam nossa bandeira; devolvam nosso hino. Vocês não têm o direito de usar os símbolos de nosso país para atacar nossa Constituição e nosso ordenamento jurídico. Recolham seus esqueletos de volta aos armários de onde saíram. Acabou sua festinha.

Com o bolsonarismo, a gente convive. Fazer o que? É uma bola de ferro amarrada ao tornozelo do pais, que atrasa nosso avanço, mas a gente já aguentou por 500 anos, e não nos livraremos dela tão cedo. Ele existe desde sempre, assim como o “anti-petismo”. Ambos precedem Bolsonaro e Lula, apenas o nome do movimento surgiu depois. 

Mas o Brasil não aguenta mais Jair Bolsonaro, que nunca teve condições intelectuais de se auto conduzir. Quanto mais um país complexo e gigantesco como o Brasil. No começo do ano, apostei que ele não chegaria ao Natal como presidente. Acho que ainda dá pra manter a aposta.

Ao tentar sair das cordas, Jair acabou se emaranhando ainda mais e, ao prometer à sua torcida uma “independência”, tornou-se mais dependente do que nunca dos humores de Arthur Lira, que deve mandar em breve a nova fatura do Centrão, com o devido reajuste de valores.

Acuado, Jair vai se agarrar até não poder mais à cadeira que nunca honrou. E esse “até não poder mais” parece nunca ter estado tão perto de ocorrer.

Espero que possamos celebrar o bicentenário de nossa independência de forma mais digna.

Meu grito de independência já está na ponta da língua: “acabou, porra!”

P. S. Após a redação da coluna de hoje, Bolsonaro publicou uma carta aberta na qual atribuiu seus arroubos golpistas ao "calor do momento". Bolsonaro não mudou, apenas se acovardou. Mas, a julgar pela reação de sua torcida, acabou para ele. Adeus, Jair.

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.