Nas eleições municipais do Rio, a esquerda ensaia uma nova tragédia em 2022; por Vinicius Wu

"A escalada autoritária de Bolsonaro e a monumental crise social que se avizinha após a pandemia não foram suficientes para que as principais lideranças da esquerda carioca adotassem uma nova atitude"

Foto: Psol
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Por Vinicius Wu*

Os partidos de esquerda, ao menos no Rio, parecem dispostos a decretar, por conta própria, uma situação de completa normalidade institucional, agindo como se nada de extraordinário estivesse acontecendo no país. A escalada autoritária de Bolsonaro e a monumental crise social que se avizinha após a pandemia não foram suficientes para que as principais lideranças da esquerda carioca adotassem uma nova atitude. É cada um por si e Bolsonaro contra todos. Projetos isolados devem novamente se sobrepor aos esforços de entendimento e construção de unidade. O Rio, em 2016, já havia sido uma espécie de balão de ensaio para as eleições de 2018 e agora parece que, ao menos para a esquerda, a capital fluminense voltará a antecipar tendências para as próximas eleições nacionais.

A última disputa eleitoral no município do Rio contou com quase todos os mesmos ingredientes da disputa nacional que ocorreria dois anos depois: esquerda fragmentada; dificuldade de diálogo do campo progressista com os mais pobres; fake news disparadas massivamente através de grupos de Whatsapp; onda conservadora e até mesmo um ensaio do Bolsonarismo, que resultou num desempenho surpreendente de Flávio Bolsonaro.

Com a desistência de Marcelo Freixo, anunciada neste fim de semana, o PSOL deve lançar, na disputa deste ano, uma candidatura que, na melhor das hipóteses, aparecerá com uns 5% nas próximas pesquisas. O PT, isolado, terá de improvisar um candidato. Resta saber se PDT, PSB e PCdoB (este último cogita lançar candidato próprio) conseguirão se unir em torno de um bloco que sustente a única candidatura que parece ter condições reais de competitividade pela esquerda com a saída de Freixo, a da deputada Martha Rocha. E caso um bloco reunindo PDT, PSB e PCdoB se consolide, teremos no Rio um cenário que pode se repetir em 2022: um PT completamente isolado disputaria com este novo bloco a hegemonia do campo progressista. Paralelamente, correndo em faixa própria, teríamos um PSOL condenado a uma postura meramente demarcatória.

Parece evidente que as chances de vitória das candidaturas de esquerda se veem significativamente reduzidas neste cenário. Mais do que isso: a tendência a repetirmos 2016 (no Rio) e 2018 (nas eleições presidenciais) é enorme, quando candidaturas de esquerda chegaram ao segundo turno em meio a enormes dificuldades - após a fragmentação do campo progressista no primeiro turno - e enfrentaram candidatos ultraconservadores com pouca chances reais de vitória.

A esquerda brasileira, portanto, parece não extrair nenhum aprendizado das derrotas de 2016 e 2018, insistindo num tipo de disputa endógena que pode pavimentar o caminho para mais um desastre em 2022. O nível de fragmentação e falta de diálogo observado na disputa eleitoral do Rio de Janeiro nos leva à (falsa) impressão de que vivemos a mais completa normalidade institucional no Brasil. O discurso a respeito de uma eventual ameaça de ruptura institucional cai completamente no vazio. E a ideia de uma “ameaça fascista” soa um tanto oportunista, já que não se percebe nenhuma mudança real de postura para enfrentar um risco desta magnitude. Bolsonaro, claro, agradece.

*Vinicus Wu é pesquisador da PUC-Rio e da FGV. No Twitter: @vinicius_wu

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.