O império doentio da mentira e do ódio avança pelo Nordeste, por Henrique Rodrigues

Sempre proscrito do progresso sócio-econômico, do qual só provou nas últimas décadas, o Nordeste entra na mira da máquina sórdida do presidente. Com cinismo e xenofobia, Bolsonaro agora apodera-se de adereços culturais e da indumentária desse povo tão odiado por ele e pelos devotos de sua seita.

Jair Bolsonaro (Foto: Redes sociais e Henrique Rodrigues)
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Por Henrique Rodrigues*

O maquinário digital a serviço da desinformação, da propagação do ódio e do autoritarismo capitaneado pela claque bolsonarista parece ter encontrado dois campos férteis para agir: as faixas mais pobres da população e, sobretudo, o aguerrido povo nordestino.

Uma pesquisa realizada há pouco mais de um mês mostrou que a aprovação de Bolsonaro entre o eleitorado que ganha até dois salários mínimos subiu de 22% para 29%. Na região Nordeste, um levantamento recente encomendado pela revista 'Veja' aponta que a avaliação positiva dele passou de 30,3% para 39,4% em poucos meses.

Na esteira desses números, o presidente da República mais insano que já tivemos por aqui andou visitando redutos eleitorais do PT para, malandramente, inaugurar obras complexas e monumentais que foram iniciadas e quase totalmente realizadas em gestões passadas, ou geridas por Estados e municípios, nas quais seu confuso e inócuo governo teve participação ínfima, colocando apenas a cereja do bolo.

"Governo" é uma palavra muito forte para o que vemos. A gestão de Bolsonaro altera tanto a percepção real das coisas que subverte definições conceituais simples, como a daquilo que entendemos como governo. Ele e seus parceiros de empreitada não têm uma estratégia ou diretriz sequer para o país, propondo apenas um apanhado de birutices sem pé nem cabeça, cunhado num ufanismo cafona e ridículo, além de defender claras medidas onerosas ao povo.

No entanto, a esperteza do atual mandatário só mostra aquilo que sempre soubemos a respeito do sujeito que é, sem dúvidas, o maior erro já cometido nas urnas pelo povo brasileiro. Mesmo com suas declarações dantescas direcionadas aos pobres e nordestinos, o presidente acidental vem recebendo dividendos políticos nessas camadas ao usar seu oceano de mentiras e distorções.

Bolsonaro destilou ódio e repúdio a todo e qualquer projeto de renda mínima para as camadas mais pobres da população brasileira durante décadas, inclusive já na Presidência. Foi contrário ao Bolsa Família, desde sempre, inclusive inflamando seus seguidores e lançando palavras humilhantes aos beneficiados.

Ele também não queria que o governo pagasse um auxílio para a população mais vulnerável durante a pandemia. Ao notar que essa postura custaria grave prejuízo político, ofereceu ao Congresso a mísera proposta de 200 reais como ajuda. Foi vencido e o valor estabelecido ficou em 600 reais. Na hora de prorrogar o benefício também mostrou-se contrário, mas ao perceber que seria vencido outra vez, resolveu declarar o auxílio emergencial e sua ampliação como conquistas suas.

Ou seja, postura de um mau-caratismo escancarado.

Ao que tudo indica, essa maluquice surtiu efeito em frações da sociedade, já que além dos seus 30% originais de enfeitiçados por essas sandices, alguns setores da população têm mudado sua aprovação (ou desaprovação) com o passar dos meses. Isso mostra que, embora muita gente desembarque da insanidade, outros aderem a esse pandemônio agora.

Não sou nordestino, mas por razões pessoais e profissionais tenho uma vivência contínua, muito grande e marcante, com a região, sua cultura e seu povo. Creio que são eles próprios, os nordestinos, que devem tomar as rédeas de seu destino e orientar suas posições em nosso tabuleiro de xadrez político, mas causa uma estranheza gigante ver uma gente tão resiliente, forte, brava e destemida ceder ao jogo de falsidades e malandragens de Bolsonaro.

Sempre proscrito do progresso sócio-econômico, do qual só provou nas últimas décadas, o Nordeste entra na mira da máquina sórdida do presidente. Com cinismo e xenofobia, Bolsonaro agora apodera-se de adereços culturais e da indumentária desse povo tão odiado por ele e pelos devotos de sua seita.

Mas em relação a essa adesão à loucura institucional, como explicar?

O discursinho hipermoralista e conservador de Bolsonaro vem sendo fundido justamente com medidas de caráter progressista conquistadas num passado recente, por governos de esquerda, sobre as quais ele sempre teceu ferozes críticas, mas que são essenciais para que essas populações atinjam um mínimo de dignidade econômica e social.

Nitidamente constrangido na tarefa de bajular falsamente o Nordeste e seu povo, Bolsonaro se fantasia, com nojo, de líder popular da região, permanece odiando medidas que aliviam o sofrimento das pessoas, mas espalha mundo afora que é o pai daquilo que historicamente sempre foi contrário e que não foi concebido por suas mãos, criando uma simbiose doida e desconexa entre programas sociais antigos e seus delírios psicóticos ultrarreacionários.

É necessário que o povo nordestino, experiente no convívio com o clientelismo canalha dos políticos perversos que há tantos séculos dominam a região, tenha atenção com o malabarismo delinquente de Bolsonaro e perceba que nada daquilo que é dito por ele é verdade.

Bolsonaro não pariu modelos de renda cidadã, não é favorável à diminuição das desigualdades, não tem por objetivo democratizar a terra numa região essencialmente rural e de histórico de conflitos fundiários, nem é afeito à cultura e à forma de viver dos nordestinos.

Ele apenas encontrou uma maneira e um território novos para despejar sua usina de mentiras e com isso ampliar a influência sobre setores sociais onde ainda não tinha permeabilidade.


*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira