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Por Ademir Assunção*
Estudo da empresa inglesa Ipsos Mori, divulgado em 2017, afirma que os brasileiros têm baixa percepção da realidade.
Correto ou incorreto, o estudo não previu seus efeitos colaterais: mais cedo ou mais tarde a baixa percepção da realidade chegaria à Presidência da República.
O discurso de Bolsonaro na ONU mostrou ao mundo um Brasil que só existe na cabeça dele - e dos seus seguidores.
Para ele - e eles - o Foro de São Paulo é uma organização criminosa encabeçada por Cuba; aquela segunda-feira em que o fumacê das queimadas na Amazônia escureceu os céus de diversas cidades - inclusive São Paulo - jamais existiu; igrejas e sinagogas são atacadas no país, resultado de uma perseguição implacável aos cristãos; os médicos cubanos eram submetidos ao trabalho escravo, com apoio da própria ONU; o Cacique Raoni é "peça de manobra" de governos estrangeiros e, a pior de todas as afirmações, "nossos nativos são seres humanos, exatamente como qualquer um de nós".
É evidente que Bolsonaro não percebe o ridículo de suas inversões. Talvez não passe pela sua cabeça inverter a frase e dizer aos "nativos": "Sou ser humano exatamente como vocês". Talvez passasse, se estivesse subitamente em apuros, sozinho, no meio de uma tribo indígena ou no meio do Complexo do Alemão.
O discurso de Bolsonaro na ONU poderia ser encarado como simples bizarrice se fosse proferido num grupo de terapia infantil. Sendo ele presidente da 8ª economia do mundo (se é que o Brasil ainda mantém essa posição) é uma temeridade.
Suponho que a maioria dos líderes mundiais - independente de espectro ideológico - percebeu isso.
Se boa parte dos brasileiros, incluindo os "arrependidos", já sabia quem é Bolsonaro, nesta terça-feira o mundo inteiro soube.
E certamente pressentiu o perigo.
Delirantes medíocres, que acreditam em suas próprias mentiras e fantasias, costumam trazer discórdia, destruição e calamidade quando assumem o poder.
*Ademir Assunção é poeta e jornalista, autor dos livros A Voz do Ventríloquo, Faróis no Caos e Ninguém na Praia Brava, entre outros