Operação Delegada – Por Mário Maurici

Comércio informal sofre com pandemia e violência da Operação Delegada dos tucanos.

Fonte: Prefeitura Municipal de São José dos Campos
Escrito en DEBATES el

Por Mário Maurici *

Se a situação de milhões de trabalhadores é extremamente difícil durante a pandemia de Covid-19, existe uma categoria profissional para a qual o desafio de lidar com o dia a dia se agrava ainda mais: a dos comerciantes de rua formais e informais na cidade de São Paulo. Isso porque, não bastassem as dificuldades e impedimentos em exercer seu trabalho em tempos de isolamento social, aqueles que dependem do comércio a céu aberto para sobreviver e manter a família enfrentam a severa onda de repressão às suas atividades por parte das autoridades públicas. Trata-se de um problema histórico o modus operandi, invariavelmente violento, adotado pelo poder público para reprimir esses trabalhadores. Hoje, este modo de operar atende pelo nome de Operação Delegada.

A Operação Delegada é resultado de um convênio entre os governos tucanos do Estado de São Paulo e da prefeitura de São Paulo que pretende reforçar o policiamento na cidade. Por meio do programa, os policiais militares, durante seus horários de folga, podem atuar no combate ao comércio clandestino, trajando farda e utilizando armamento da corporação para ganhar um dinheiro extra. Ampliada recentemente no tamanho e na abrangência das tarefas, a Operação Delegada conta atualmente com 964 vagas, que são preenchidas de forma voluntária pelos policiais interessados. A atuação, originalmente destinada a apenas coibir o comércio, agora também age contra pichações, depredações e descartes irregulares de lixo.

Se a repressão aos ambulantes da cidade de São Paulo tem um histórico de violência contra o trabalhador, na gestão tucana no governo do Estado e no município a situação piorou. A atuação dos policiais militares abrigados na Operação, ao lado dos chamados coletes-laranjas (fiscais da Prefeitura) e dos guardas municipais (GCMs), tem sido marcada pela truculência e falta de diálogo.

Em janeiro, o vendedor Geová Oliveira Lima, de 48 anos, foi brutalmente agredido durante uma ação da Operação Delegada. O ambulante, dono de um carrinho de açaí, disse à imprensa que os policiais colocaram joelho e cassetete no seu pescoço. Ele afirmou que não conseguia respirar, chegou a sangrar pela boca e desmaiou.

O momento, registrado em vídeo pelas pessoas que passavam no local, viralizou nas redes sociais, expondo a violência dos governos do PSDB contra os trabalhadores informais. O saldo, além da covarde agressão a Geová, foi a apreensão de seu carrinho de açaí e um processo por dano ao patrimônio, desobediência e resistência, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado. O dano ao patrimônio foi a quebra do limpador de para-brisa de um carro da prefeitura.

O caso de Geová é exemplar da situação difícil que os ambulantes vivem na maior crise sanitária da História do país. Se é uma realidade a necessidade imperativa de isolamento social e medidas restritivas de circulação, tal quadro impõe aos governantes a promoção de meios adequados que garantam as mínimas condições de sobrevivência a esses profissionais. Mesmo porque as restrições visam a proteger, inclusive, a saúde dos próprios comerciantes de rua, que correm ainda mais riscos de contágio pela exposição à qual estão sujeitos no trabalho.

Muitas vezes, o comércio ambulante irregular torna-se a última opção do trabalhador para conseguir alguma renda. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou que em 2020 a média de desemprego no país bateu recorde histórico, com 13,5% – o índice mais alto desde que foi adotado o instrumento de medição, em 2012. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do IBGE, apontam que os 13,3 milhões paulistas em situação precária no mercado de trabalho representam quase metade da força de trabalho ampliada do Estado. O dado inclui desocupados (3,5 milhões), desalentados (4 milhões) e informais (5,8 milhões).

É imperioso que sejam adotadas políticas emergenciais e imediatas, voltadas ao fornecimento de alimentos e itens de higiene para este grupo social. A renda básica municipal, concedida ao final do ano passado, atingiu apenas os ambulantes com termos de permissão de uso (mil profissionais) e aqueles autorizados pelo programa “Tô Legal” (14 mil licenças). No entanto, sabe-se que esse contingente profissional é muito maior. A ajuda emergencial do governo federal, recém-aprovada, traz valores irrisórios diante do processo inflacionário causado pela incompetência do próprio governo Bolsonaro.

Entidades e movimentos sociais ligados ao comércio informal defendem que a atividade dos comerciantes ambulantes de comida e alimentos seja considerada “essencial”. Também lutam para que não haja corte por falta de pagamento em alguns serviços públicos, como água e energia elétrica enquanto os trabalhadores não tenham renda. São sugestões objetiva que podem ser adotadas pelos governantes em seus diversos níveis de atuação.

É preciso que tanto os governos tucanos municipal e estadual enfrentem o problema do comércio ilegal, mas não com operações que resultem em mais violência contra os trabalhadores, estejam na informalidade ou não. O escopo da Operação Delegada deve ser revisto. Seu desenho original demonstra que nem resolve o enfrentamento da segurança no centro da cidade, tampouco a remuneração adequada dos policiais. Trata-se de uma medida paliativa, a atingir apenas uma parcela pequena do contingente da corporação militar e ainda em horários fora do expediente normal.

O quadro em todo país é extremamente grave, e não podemos contar com o governo central. Assim, as instituições que ainda têm responsabilidade social devem olhar com sensibilidade para os brasileiros no mais triste cenário que o Brasil já assistiu. Situação tão desoladora que torna mais que compreensível a indignação e resistência de Geová diante da arbitrariedade que o impediu de trabalhar pela sua sobrevivência e da sua família.

*Mário Maurici é deputado estadual em SP pelo PT, foi vereador e prefeito de Franco da Rocha, presidente da Ceagesp, vice-presidente da EBC e secretário de governo e de comunicação de Santo André.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.