Para confundir eleitorado, Bolsonaro patrocina uma crise constante, por Daniel Trevisan Samways

"A grande chave a ser virada é a comunicação dos setores democráticos com a população. É necessário que esses grupos consigam criar pontes mais sólidas e diretas com a sociedade"

Carioca e Bolsonaro - Foto: Reprodução
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Por Daniel Trevisan Samways*

Uma democracia consolidada é caracterizada pelo amplo acesso aos dados públicos, à harmonia, mesmo com embates, entre os poderes, ao respeito às instituições, à defesa da ciência e da pesquisa como instrumentos para o desenvolvimento social e econômico e ao profundo respeito à imprensa e à verdade dos fatos. Em uma breve análise do atual governo Bolsonaro, podemos dizer que ele respeita e defende algum desses valores?

Na manhã da última quarta-feira (04/03), o humorista Carioca, atualmente na Rede Record, saiu do carro de Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), e passou a fazer piadas vestido de presidente da República.

Ofereceu bananas à imprensa, ridicularizou os jornalistas presentes e, logo após, fez uma dobradinha com o verdadeiro. Presidente e seu impostor repetiram, juntos, mais um lamentável ataque à liberdade de imprensa.

A ação, como era de se esperar, tomou conta das redes sociais e duelou com o fraco desempenho do PIB, anunciado no mesmo dia. Poderíamos supor que a estratégia de levar Carioca, o presidente falsificado, para um show com simpatizantes e um ataque a jornalistas foi mais uma tentativa de contaminar o debate e impedir uma discussão mais aprofundada sobre os rumos da economia no país, a qual patina desde 2015.

Talvez seja equivocado falar em “cortina de fumaça”, já que a própria comunicação de todo o governo, com algumas exceções, é produzida com uma linguagem dos programas de auditório dos anos 90, com toques de jornalismo policial ao estilo “Aqui e Agora”.

Tal estratégia não visa apenas confundir o debate, mas fidelizar um eleitorado mais radical e, ainda, tentar atrair uma parcela dos indecisos. Por outro lado, consegue desgastar de tal modo o debate, que afasta, pelo cansaço, quem estava disposto a enfrentá-lo. Quando confrontado com dados, Bolsonaro joga bananas. Não há debate. 

No precioso livro “Como funciona o fascismo”, Jason Stanley afirma que a própria realidade é colocada em dúvida quando a propaganda política distorce ideias, substituindo o verdadeiro debate pelo medo e pela raiva. Para o autor, quando essa propaganda é bem-sucedida, seu público sente-se perdido, desconfiado e com medo, mas também com raiva daqueles que são tidos como responsáveis pela desestabilização. Seria errôneo acreditar que apenas a esquerda é tida como a única inimiga do governo. Ele se voltou contra as instituições, principalmente a imprensa. 

A estratégia não é tão difícil de ser percebida. Quando confrontado por denúncias ou mesmo críticas ao seu governo, Bolsonaro ataca jornais e jornalistas, com forte apelo machista e preconceituoso, criando euforia entre seus seguidores, que logo após serão bombardeados com memes e matérias sensacionalistas dos portais patrocinados pelo núcleo bolsonarista. Bolsonaro torna-se, segundo esse grupo, vítima da imprensa, e estaria sendo impedido de governar. Mesmo com tantos ataques às instituições e resultados econômicos muito frágeis, o presidente ainda conserva uma popularidade estável e, pelas recentes pesquisas, venceria as eleições. 

Bolsonaro consegue, ainda, trazer a oposição para dentro do seu ringue, onde apenas ele ataca e coloca seus adversários nas cordas, obrigando-os a responder e impedindo-os de propor. A agenda foi dominada por esse discurso, o qual sufoca outras narrativas. Os setores da oposição gastam boa parte do seu tempo e energia respondendo ao governo, desmentindo seus dados falsos, cobrando explicações sobre o que foi dito. Enquanto isso, onde a política de fato acontece, as reformas passam, não porque interessam ao governo, mas, antes, porque são defendidas pelo mercado. 

A grande chave a ser virada é a comunicação dos setores democráticos com a população. É necessário que esses grupos consigam criar pontes mais sólidas e diretas com a sociedade. Como e quando isso acontecerá ainda é um mistério. Talvez as eleições municipais desse ano tragam novos ares para essas discussões. É mais do que urgente.

*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum