Permitiremos a sociopatia bolsonarista como novo normal?, por João Tancredo

A lista de violações aos Direitos Humanos é quilométrica. A agenda conservadora, racista e misógina é aplicada à exaustão e descaradamente assumida pelos governantes de turno, como quem apresenta a necropolítica como um programa de governo.

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Por João Tancredo*

A recente ascensão da extrema-direita no Brasil colocou os defensores dos Direitos Humanos em situação ainda mais delicada. Aqueles que lutam pela vida digna e que sempre estiveram sob risco, em qualquer conjuntura do país, vivem agora diante de um governo que vocaliza o movimento daqueles que perderam a vergonha de reivindicar a liberdade de oprimir.

A ofensiva é avassaladora e não cabe em um artigo. O brilhante trabalho do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, porém, registra tamanho recrudescimento nas 199 páginas de um dossiê com as violações de direitos ocorridas entre 2018 e o primeiro semestre de 2020, lançado este mês.

Vejamos um pequeno recorte:

- Aumento de 18% nos autos de resistência no estado do Rio de Janeiro em 2019, o maior registro de assassinatos cometidos por policiais desde 1998;

- Em 2019, os conflitos no campo foram 23% maiores que no ano anterior, alcançando a maior marca dos últimos 35 anos;

- Até agosto de 2020 o Brasil registrou o assassinato de 129 travestis e transexuais, número que já é o maior dos últimos quatro anos;

- Em 2019 foram assassinados 24 defensores do meio ambiente no Brasil, dentre eles 10 indígenas.

O dossiê também alerta para a operação de silenciamento de vozes. Diversos espaços institucionais de escuta, como comitês, conselhos e fóruns, foram extintos ou restringidos. Como é o caso do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), onde a participação da sociedade civil foi drasticamente reduzida, enquanto a Amazônia e o Pantanal ardiam em chamas.

O documento ainda destaca que, de janeiro de 2019 a 15 de setembro de 2020, o presidente da República e seus ministros ou familiares que exercem mandatos praticaram ao menos 449 violações de direitos contra jornalistas e comunicadores. Destas, 23% partiram de Jair Bolsonaro.

As arbitrariedades do governo, mais do que refletirem a sanha autoritária, estimulam e autorizam outros atores sociais a reproduzi-las. O perigo do fascismo mora no guarda da esquina. Nesta semana, foi a vez da Polícia Militar fluminense divulgar vídeo institucional atacando nominalmente o jornalista do Grupo Globo, Rafael Soares, responsável por revelar inúmeros abusos das forças de segurança nos últimos anos. Uma clara tentativa de intimidação e de agitação de outros guardas de esquina.

A lista de violações aos Direitos Humanos é quilométrica. A agenda conservadora, racista e misógina é aplicada à exaustão e descaradamente assumida pelos governantes de turno, como quem apresenta a necropolítica como um programa de governo. Uma verdadeira cruzada contra a vida que já não escandaliza mais ninguém. Estamos há 10 meses normalizando o “deixa morrer” como política pública de enfrentamento à pandemia da Covid-19.

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, na semana em que os assassinatos de Marielle e Anderson completam mil dias sem resposta, o Brasil precisa responder: até quando permitiremos que a sociopatia bolsonarista seja o novo normal? 

*João Tancredo é advogado, secretário-Geral do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) e professor de Direito da Responsabilidade Civil na Universidade Candido Mendes

*João Tancredo é advogado, secretário-Geral do Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) e professor de Direito da Responsabilidade Civil na Universidade Candido Mendes

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.