Recondução de Márcia Abrahão à reitora da UnB: vitória da autonomia universitária!

No artigo de Yuri Soares e Jackson Raymundo: A UnB deixa uma importante lição para todas as universidades. É possível evitar intervenções! Para isso, cada universidade em processo de escolha de reitor deve levar a sério a unidade política, a defesa da autonomia e da comunidade universitária.

Foto: UnB (divulgação).
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Por Yuri Soares* e Jackson Raymundo*

Nos dois últimos anos as universidades federais se viram diante de um intervencionismo em sua autonomia administrativa e acadêmica. Com o governo federal ocupado por uma extrema-direita anticiência, anti-intelectualista e com a pretensão de aparelhar o Estado, dezenas de universidades e institutos federais tiveram a imposição de nomes que não foram aqueles escolhidos pela comunidade universitária.

A Universidade de Brasília (UnB), no entanto, recebeu uma notícia positiva na manhã da última sexta-feira (20). Foi publicada no Diário Oficial da União a recondução da professora Márcia Abrahão Moura, atual reitora. Mas longe de ser sorte ou acaso, a conquista foi fruto de muita estratégia e luta dos diversos segmentos da universidade.

O processo se iniciou ainda na consulta para a reitoria (a consulta à comunidade é um instrumento preliminar à formação da lista tríplice pelo colegiado máximo). O primeiro passo foi tomar todas as precauções políticas, jurídicas e administrativas para que o processo ocorresse da forma mais democrática e transparente, apesar das limitações impostas pela pandemia de Covid-19.

Quatro chapas se inscreveram para a consulta, que, no caso da UnB, é paritária - ou seja, cada um dos três segmentos (professores, técnicos administrativos e estudantes) possui o mesmo peso. Em todos as categorias, a chapa encabeçada por Márcia Abrahão e pelo atual vice-reitor, Enrique Huelva, foi vitoriosa, atingindo ainda no primeiro turno a expressiva média de 54% dos votos, em um universo de mais de 30 mil votantes.

Ao longo de toda a campanha eleitoral, a comunidade acadêmica cobrou fortemente os candidatos inscritos para que respeitassem o resultado democrático. Três das quatro chapas, inclusive, assinaram um documento proposto pelo Diretório Central de Estudantes assumindo o compromisso de não se inscrever ao Conselho Universitário para a formação da lista tríplice, caso não fossem os mais votados. A promessa foi cumprida. Inscreveram-se apenas a reitora eleita e, para cumprir o dever legal, outras duas professoras ligadas à chapa vencedora. A lista tríplice elaborada pelo Conselho Universitário da UnB, assim, respeitou a decisão da comunidade acadêmica, evitando brechas que possibilitassem uma intervenção na universidade.

Após o envio da lista tríplice, se deu um amplo processo de divulgação para a sociedade da importância do respeito à democracia e autonomia universitária. As entidades representativas de professores, técnicos e estudantes mantiveram um calendário de atividades constantes. Foram realizados atos presenciais e virtuais e Márcia manteve uma presença constante na imprensa. Essencial, também, foi o diálogo da reitora com os parlamentares distritais e federais, que culminou no apoio unânime da bancada do DF no Congresso Nacional à sua recondução e com setores políticos do Distrito Federal, além da mobilização dos movimentos sociais.

A UnB deixa uma importante lição para todas as universidades do país: é possível evitar intervenções! Para isso, cada universidade que passe por processos de escolha de reitor deve levar muito a sério a unidade política, a defesa da autonomia e da comunidade universitária, cumprir à risca todos os devidos processos legais e burocráticos, sem deixar brechas para aventuras antidemocráticas, e manter uma mobilização constante.

As experiências em que a democracia não foi respeitada demonstraram uma sucessão de erros que, via de regra, podem ser assim sintetizados. Não houve um pacto sólido entre a comunidade acerca do peso de cada categoria na consulta. Na disputa ocorrida nas consultas foi levada para dentro da formação da lista no conselho universitário. Incluíram na lista nomes que, mesmo fazendo apenas um ou dois votos, se acharam no direito de se articular com políticos da base do governo para serem os escolhidos.

A luta continua para reverter as intervenções já em curso, com medidas políticas e jurídicas. Não podemos deixar que os interventores fiquem em paz. Cada dia que um interventor segue no cargo é uma violência inaceitável contra a democracia, a educação e a ciência brasileiras.

As ameaças sobre as universidades públicas são constantes no governo Bolsonaro, seja com interventores, com cortes orçamentários, com ataques na imprensa e nas redes sociais. Evitar interventores nas nossas universidades é só um dos passos para uma luta política mais ampla em defesa da educação pública e do povo brasileiro.

Vencemos uma batalha, vamos comemorar e nos preparar para as próximas!

* Yuri Soares é mestrando do PPGHIS - UnB.

* Jackson Raymundo é doutor em Letras e servidor da Universidade de Brasília.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.