Republicanos à brasileira, por Rafael Moreira

Além do espaço ocupado na Câmara dos Deputados, sua Executiva Nacional é formada em grande parte por lideranças religiosas da Igreja Universal, que ocultam em suas biografias os postos que ocupam na carreira eclesiástica

Foto: YouTube (reprodução)
Escrito en DEBATES el

Por Rafael Moreira *

O sistema partidário brasileiro atravessa um momento de transformação e o Republicanos, partido do hoje preso Marcelo Crivella, tem sido um dos que mais cresce no país. Porém, poucos sabem que a legenda na prática nada mais é do que o “braço político” da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que oculta esse aspecto tanto em sua nomenclatura quanto em seu programa partidário como estratégia política pra aumentar seu poder de influência na sociedade e crescer a cada eleição. Cabe aqui então uma pequena reconstrução da sua história de ascensão, como parte de uma estratégia de poder político descrita pelo próprio Bispo Edir Macedo, ainda em 2008, quando da publicação de seu livro “Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política”.

Fundado ainda em 2005 com o nome de PMR (Partido Municipalista Renovador) e rapidamente renomeado para PRB (Partido Republicano Brasileiro) naquele mesmo ano, o partido estreou nas eleições de 2006. Entre os seus articuladores e fundadores já estavam o próprio Marcelo Crivella, então senador da República e sobrinho do bispo Edir Macedo, e José de Alencar, vice-presidente da República à época [1]. Em seu primeiro teste eleitoral o partido elegeu apenas um deputado federal, mas manteve uma trajetória crescente desde então, ocupando o espaço de siglas que veem sua representação diminuir cada vez mais nos espaços de poder. Em 2010 foram oito os eleitos, em 2014 foram 21, transformando a bancada do Republicanos na 10ª maior da Câmara dos Deputados e, por fim, nas eleições de 2018, o número de parlamentares federais subiu, chegando a 30, além de 1 senador, ocasião em que o partido passou a ser a 8ª maior bancada da Câmara [2], ultrapassando inclusive legendas de maior renome.

Entre os 30 deputados eleitos pelo partido em 2018, muitos deles são bispos e pastores, ou artistas e radialistas ligados à TV Record, também ligada à IURD [3]. Entre seus representantes na Câmara, 19 de seus parlamentares integram a chamada “bancada evangélica” [4], que apesar de se encontrar fragmentada em outros 22 partidos tem a maior parte dos seus parlamentares abrigada no Republicanos, assim como o pastor e deputado paulista Marco Feliciano, uma de suas principais figuras.

Para além do espaço ocupado na Câmara dos Deputados, o órgão de direção máximo do partido, a sua Executiva Nacional, também é formada em sua grande maioria por lideranças religiosas que muitas vezes ocultam em suas biografias os postos que ocupam na carreira eclesiástica. A título de exemplo, o atual presidente da sigla é o deputado paulista Marcos Pereira, reeleito sucessivas vezes desde 2011 para ocupar esse posto de direção partidária e que atualmente ocupa também a vice-presidência da Câmara dos Deputados. Em sua biografia, na página oficial do partido, sua carreira acadêmica é exaltada, mas nada se diz sobre o fato do parlamentar ser pastor licenciado da Igreja Universal [5].

A relação que o partido manteve desde sua fundação com as diferentes administrações do governo federal sempre foram de puro pragmatismo, apesar de suas principais figuras definirem o partido como sendo “uma sigla de direita, liberal na economia, conservadora nos costumes” [6], tal como muitas outras do nosso sistema. A legenda integrou a base aliada das administrações petistas desde sua fundação até seus últimos dias, abandonando o governo Dilma Rousseff em março de 2016 [7] e com seus 22 parlamentares votando de maneira favorável ao seu afastamento no processo de impeachment [8]. Com a posse de Michel Temer, o partido também integrou o seu governo ocupando cargos em Ministérios [9], assim como o faz atualmente no governo Bolsonaro [10].

No ano de 2019, tal como muitas outras legendas fizeram, o partido passou por um processo de rebranding político alterando seu nome de PRB para Republicanos, retirando a palavra “partido” do nome. Com uma nova “roupagem” e um novo logo, tal como em uma empresa que vem crescendo em número de funcionários (e aqui no caso também de fiéis) [11] a infraestrutura do partido também cresce.  Uma nova sede nacional da sigla foi inaugurada na capital federal em 2019 contando com quase seis mil m² e seis andares de construção [12]. Na sede também passou a funcionar a Faculdade Republicana, primeira Instituição de Ensino Superior (IES) no Brasil credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) a ser administrada por uma fundação partidária [13] e que conta com o curso de graduação em ciência política.

Recentemente, já em 2020, o Republicanos também passou a abrigar em seus quadros alguns dos filhos do presidente da República, como o Senador Flávio Bolsonaro e o vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro [14]. A sigla manteve suas portas abertas para os articuladores do “Aliança pelo Brasil” nas eleições municipais de 2020 [15], (sigla partidária que a família Bolsonaro tenta fundar, mas que não houve tempo hábil para disputarem as eleições desse ano), garantindo-lhes uma legenda.

Resta agora saber qual será o impacto para o partido daqui pra frente com a prisão de um de seus principais expoentes nacionais, o agora ex-prefeito Marcelo Crivella, que deixou hoje a prefeitura do Rio de Janeiro não pela sua porta dos fundos, mas sim dentro de uma viatura.

*Rafael Moreira é doutor e mestre em Ciência Política pela USP.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

  1. http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2005-10-25/partido-municipalista-renovador-vira-partido-republicano-brasileiro
  2. https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/raio-x/camara/
  3. https://apublica.org/2020/05/alianca-de-edir-macedo-com-bolsonaro-envolve-presidencia-da-camara-cargos-no-governo-e-perdao-de-dividas-as-igrejas/#Link2
  4. https://periodicos.ufjf.br/index.php/TeoriaeCultura/article/view/12425
  5. https://republicanos10.org.br/quem_e_quem/marcos-pereira/
  6. https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/republicanos-triunfa-no-pleito-de-2020-com-aumento-de-prefeitos-e-vereadores-em-goias-297672/
  7. https://veja.abril.com.br/politica/debandada-comeca-no-auge-da-crise-prb-abandona-dilma/
  8. http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/04/veja-estados-e-partidos-que-mais-votaram-pelo-impeachment-na-camara.html
  9. https://veja.abril.com.br/politica/debandada-comeca-no-auge-da-crise-prb-abandona-dilma/
  10. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/07/bolsonaro-coloca-nome-do-centrao-em-secretaria-do-desenvolvimento-regional
  11. O partido passou de 3.764 filiações em 2006 para 425.974 em outubro de 2019. https://republicanos10.org.br/sobre-o-republicanos/
  12. https://republicanos10.org.br/nacional/nova-sede-nacional-do-prb-conta-com-quase-6-mil-m%c2%b2/
  13. https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,mec-autoriza-funcionamento-de-faculdade-de-partido-ligado-a-universal,70002601875
  14. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/03/27/flavio-e-carlos-bolsonaro-se-filiama-partido-ligado-a-igreja-universal.htm
  15. https://apublica.org/2020/05/alianca-de-edir-macedo-com-bolsonaro-envolve-presidencia-da-camara-cargos-no-governo-e-perdao-de-dividas-as-igrejas/#Link1