Trabalhadoras no confinamento, por Ana Beatriz Prudente

Empresas e departamentos de Recursos Humanos devem adotar políticas empáticas para as mulheres. A pandemia pode retardar a construção da equidade de gênero e trazer profundos males emocionais, sociais e econômicos para as mulheres.

Foto: Filipe Araujo/ Fotos Publicas
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Por Ana Beatriz Prudente*

Foto: Arquivo pessoal

O confinamento colocou uma lente de aumento na desigualdade de gênero, tornando ainda mais evidente a posição feminina nesse tabuleiro. Historicamente, em nossa sociedade patriarcal as mulheres sempre ocuparam o papel de responsável pelo lar. São as mulheres que cuidam dos filhos, do marido e das obrigações domésticas, seja as que trabalham fora ou as que trabalham somente no lar (e nunca é reconhecida porque essas atividades não são vistas como funções remuneradas). Assim, quem está no mercado corporativo “oficial” continua trabalhando em casa quando sai do escritório, exercendo uma dupla jornada diária. Tem que dar conta do jantar, das lições, estudos dos filhos e ainda do relacionamento do casal. 

Com a pandemia e as atividades profissionais transferidas para o home office, essa mulher se transformou em uma funcionária 24 horas. Passou a ter que lidar com a coordenação mais apurada dos estudos EAD dos filhos, muitas tendo que cuidar dos pais idosos, outras tendo que administrar cuidados familiares à distância. Para quem é provedora da casa e não tem o apoio de outras pessoas, precisa ainda cuidar das compras de supermercado etc. Além disso, todas têm que dar conta da produtividade que o empregador exige.  Há ainda um fator adicional: o estresse provocado pela Covid-19, que tem atormentado a todos. Dizer então que essa mulher está sobrecarregada é muito pouco, pois ela enfrenta condições quase sobre-humanas. Não deve demorar muito para que todos tenhamos que lidar com os danos psicológicos causados por esse turbilhão. Precisamos observar como estudar esses danos, que tendem a se tornar permanentes num futuro bem próximo, e fazer um recorte de gênero nas relações de trabalho no home office, em tempos de pandemia. 

Antes desta crise, os dados mais recentes do IBGE já davam conta de que as mulheres gastavam 18,5 horas por semana com serviços domésticos em comparação com 10,3 horas gastas pelos homens. Números, também colhidos anteriormente sobre os lares chefiados por mulheres no Brasil (segundo a pesquisa Mulheres chefes de famílias no Brasil), apontavam que 28,9 milhões de lares tinham à frente uma mulher e cerca de 15,3% das formações familiares eram de mães solos ou viúvas.  Não se tem informações ainda das configurações durante esse novo cenário, mas, a preocupação com as condições femininas é evidente. A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, lançou uma cartilha sobre os direitos das mulheres em meio à crise: “Gênero e Covid-19 na América Latina e no Caribe”. Nela, são discorridos temas como a garantia de acesso a serviços de saúde, questões de trabalho, familiares e até violência doméstica. Portanto, é uma doença que veio também para trazer novas reflexões sobre as desigualdades entre homens e mulheres, em todos os contextos, no ambiente corporativo ainda mais, visto que o sexo feminino ainda ganha de 20 a 25% menos que o masculino e poucas ocupam o topo da pirâmide hierárquica. 

Toda essa situação adiará a evolução da igualdade de gênero no mercado de trabalho, uma vez que essa mulher sobrecarregada não consegue ser tão produtiva quanto seus empregadores esperam, talvez chegando até a demití-las e a preterí-las de possíveis promoções. Certamente, os homens em home office não sofrerão tais sanções. Por isso, é urgente que se criem políticas públicas emergenciais para lidar com a trabalhadora em confinamento. Precisamos promover o diálogo com as empresas para que compreendam as condições femininas e para que não haja impactos negativos em suas carreiras nesse momento - e no futuro também. Nunca na história se exigiu tanta empatia das organizações e um olhar sensível e empático para com essa força de trabalho. 

Durante a quarentena, já se contabiliza uma perda significativa da produção científica feminina, especialmente daquelas que são mães. O portal americano Inside Higher Education, especializado em educação superior, constatou que, em abril, ao longo do isolamento obrigatório no país, a produção de artigos científicos submetidos ao periódico aumentou em 25%, mas vindo exclusivamente de homens. Já no Brasil, o grupo Parent Science, voltado para a maternidade e a paternidade no universo científico, aponta que apenas 10% das mulheres estão conseguindo realizar pesquisas na área. Entre os pós-docs, o número cai ainda mais, chegando aos 5%. Entre os docentes, 51,38% das mulheres com filhos não conseguiram produzir artigos para submissão. Já entre os homens, de 36% a 18% estão trabalhando normalmente. 

É necessário pensar nas garantias das trabalhadoras no home office

Depois de decretada oficialmente a chegada do novo coronavírus como uma pandemia, as relações de trabalho foram impactadas diretamente. Como primeira medida para contenção da propagação do vírus, adotou-se o home office. Mas, é preciso que trabalhadoras e empregadores entendam que o home office não é o teletrabalho. No home office, a empresa não está mudando o local de trabalho do colaborador, ela está apenas colocando-o temporariamente dentro de casa. Assim, ela pode deixar de pagar o transporte destinado ao deslocando do funcionário, mas continua tendo que pagar todos os seus direitos, como por exemplo, a limitação da jornada de trabalho, com intervalos e períodos de descanso, além de benefícios como vale alimentação, refeição, seguros de saúde, entre outros. 

Para as mulheres mães de recém-nascidos, há uma lei em tramitação que pode ampliar suas licenças até julho. A medida faz parte do projeto apresentado pelo deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS), PL 2011.20.  Com o intuito de proteger a mãe e a criança, especialmente, nesse período e garantir que o contato e os cuidados de saúde sejam realizados sem prejuízo para ambos. Se aprovado o projeto pontual, quem já está voltando de licença poderá continuar em casa por mais três meses. O pagamento continuaria sendo feito como normalmente, dividido entre empresas e governo. 

Quem já exerce teletrabalho deve observar que ele possui algumas características particulares, ele surgiu com a reforma trabalhista, na lei 13.467, de 2017. Na nossa CLT, os artigos também 75 A ao 75 E abordam esta forma de atividade. No teletrabalho, já há uma discussão sobre a limitação da jornada, pois em outro artigo da CLT, o de número 62, consta que neste caso não haveria a necessidade de bater o ponto. No teletrabalho, o colaborador pode fazer seu horário, mas deve combinar com o empregador previamente. Além disso, para passar do regime presencial para o teletrabalho, a nossa CLT prevê um acordo bilateral e que deve ser efetivado em quinze dias.

Outra lei, de número 3979, criada em 6 de fevereiro de 2020 com o intuito de tentar controlar a transmissão da Covid-19, diz em seu artigo terceiro que as faltas ocorridas na quarentena são consideradas faltas justificadas. Assim, a trabalhadora não pode ser descontada em caso de ausência durante o isolamento.  Lembre-se ainda que tanto nos casos de home office quanto de teletrabalho, os direitos são os mesmos, em relação às férias, décimo terceiro etc. Além disso, em ambos os casos o contrato de trabalho deve estabelecer quem vai cuidar da aquisição e manutenção dos equipamentos necessários para o desenvolvimento das atividades remotas. Segundo o mesmo artigo 75, citado cima da CLT, o empregado deve assinar o termo de responsabilidade, comprometendo-se a seguir instruções fornecidas pelo empregador.

De maneira estruturada, o home office surgiu no começo do ano 2000 e cresceu de maneira exponencial por conta do desenvolvimento tecnológico. Hoje, 45% das empresas brasileiras já adotam a prática do home office, a maioria delas no Sudeste. A qualidade de vida é um dos fatores que faz com que muitos optem pelo home office. Por isso, é mais urgente ainda que se pensem em políticas adequadas e empáticas não só para este momento, mas para o futuro. 

Contudo, o teletrabalho não é exclusividade das empresas privadas. O Tribunal Superior do Trabalho foi o primeiro órgão do poder judiciário a aderir à iniciativa em 2012, como projeto piloto, e hoje é exemplo de eficiência na organização, pois trouxe modernização na gestão de pessoas, inovação e acompanhou o ritmo moderno de trabalho. Seja qual for a escolha de atividade profissional remota de indivíduos ou empresas é fundamental que o diálogo, o respeito e a empatia estejam presentes no dia a dia e que se deem condições e direitos para todos. 

*Ana Beatriz Prudente é Gestora de Economia Criativa, Educadora de Mulheres Empreendedoras, Membro do Conselho Permanente de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP, Membro da Comissão de Cooperação Internacional da FEUSP e Consultora de Agro-Sustentabilidade.

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.