A operação realizada pelo governador Cláudio Castro (PL) nos complexos da Penha e do Alemão, nesta terça-feira (28), contra o Comando Vermelho, a mais letal da história do Rio de Janeiro, demonstra como a população fluminense está à mercê de um governo estadual que não tem uma política eficaz de segurança pública para acabar com o crime organizado, de acordo com a socióloga e coordenadora do CIDADES - Núcleo de Estudos Urbanos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Lia Rocha.
Para ela, o resultado trágico de mais de 100 mortos durante a operação - número que continua crescendo - escancarou que Cláudio Castro, que já era responsável pela maior chacina em 2021, não tem projeto de combate real à criminalidade e ao controle territorial por grupos criminosos. A pesquisadora destacou que não é que o governador não tenha uma política de segurança, mas que seu projeto não tem por objetivo acabar com o problema do crime organizado. Pelo contrário, operações como a desta terça só servem para manter o funcionamento das redes criminais e render votos, avaliou Lia Rocha.
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"O compromisso do governador é a manutenção das organizações criminosas, porque esse tipo de operação que aconteceu ontem não tem impacto concreto sobre a estrutura dessas organizações, ela reorganiza o crime como a gente tem visto nos últimos anos: a correlação de força entre os diferentes grupos, a correlação de força entre as diferentes facções, entre as diferentes milícias", afirmou a pesquisadora.
"Essas ações espetaculares rendem votos e mantêm as engrenagens do crime organizado, através do tráfico de armas, por exemplo, e da manutenção das redes criminais que estruturam essas organizações - já que nada se altera de forma estrutural, apenas a correlação de forças entre os grupos criminosos", explicou.
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Portanto, a pesquisadora esclareceu que essas ações não são eficientes do ponto de vista do combate ao crime, mas são muito eficazes para manter a estrutura crimonosa e angariar votos, como aconteceu em 2022. Castro, após promover a chacina do Jacarezinho que deixou 28 mortos, ganhou a eleição para o governo do estado com 60% dos votos.
"Esse tipo de operação não impacta nas engrenagens do crime, novos 'Docas' surgirão amanhã. Mas mantém a estrutura do crime organizado enraizado no estado do Rio de Janeiro, inclusive nas esferas políticas", afirmou Lia Rocha.
A pesquisadora destacou que o problema da Segurança Pública é complexo, uma vez que as organizações criminosas hoje em dia compõem redes nacionais e internacionais e, portanto, essas operações policiais extremamente violentas são ineficazes no combate ao crime. Lia destacou que são precisas ações complexas que estruturam uma política nacional de combate ao tráfico e desvio de armas.
"Essas operações não têm efeito nenhum sobre a criminalidade em termos de desestruturar os grupos criminosos, mas traz imensos prejuízos para a população como a gente viu ontem e estamos vendo hoje", ressaltou.
A pesquisadora disse, ainda, que isso não pode ser normalizado. "A cidade parar, as pessoas não conseguirem voltar para suas casas, pessoas sendo mortas sem a gente saber quem são, relatos de execuções, a população local tendo que retirar corpos de dentro da mata sem nenhum tipo de responsabilização pelo que foi feito, sem nenhum tipo de explicação ou de justificativa para esse nível de violência. Isso não pode ser normalizado, isso não é possível dentro de um estado democrático de direito", acrescentou.
"Apresentar 100 fuzis após uma operação policial que pode estar chegando na casa de 100 pessoas mortas não é algo que possa ser considerado eficaz, eficiente ou bem-sucedido em nenhum critério de avaliação de políticas públicas".
Crise política e segurança pública
Lia também defendeu que essas operações violentas comandadas por Castro servem a uma falsa narrativa de que o estado tem o controle da situação e está sendo combativo com o crime organizado, discurso inflacionado durante o período eleitoral.
"É uma retórica bélica que tenta legitimar a continuidade desse modelo de segurança pública e legitimar um governador que tem sido avaliado como fraco, como ineficiente, incapaz de enfrentar os problemas do estado, e que também está num momento fragilizado em relação ao seu futuro político", avaliou. "A segurança pública é sempre acionada como tema público em momentos de crise política", acrescentou a pesquisadora.
Essa narrativa ainda encontra terreno diante de um Rio de Janeiro dominado por um discurso de violência, morte, guerra e confronto bélico como única solução para o problema da criminalidade, segundo Lia Rocha. "Quem sofre é a população da cidade, a população do estado, e é necessário que a sociedade se organize de alguma forma para exigir que o governador pare de matar e tenha realmente um compromisso real com o combate ao crime organizado, o que eu, infelizmente, acho que não é um compromisso do governador, pelo contrário", finalizou a pesquisadora.
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