DITADURA MILITAR

Elenira Vilela: "Assim como Eunice Paiva, minha avo´ foi brutalmente atingida pela ditadura"

Ao Fórum Onze e Meia, vereadora conta a história de Dona Lila, que precisou enfrentar as dores de ter o marido e os filhos presos e torturados pela ditadura militar

Elenira Vilela e sua avó, Dona Lila.Créditos: Reprodução/Arquivo pessoal
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Em entrevista ao Fórum Onze e Meia desta terça-feira (25), a professora, militante e vereadora de Florianópolis Elenira Vilela (PT-SC) contou um forte relato sobre a vivência de sua avó, Dona Lina ( Anna Alyria Vilela), que, assim como Eunice Paiva, foi brutalmente atingida pela ditadura militar apesar de não participar ativamente da resistência. 

Elenira, que nasceu na clandestinidade durante a ditadura, conta que sua avó estava noiva de seu avô, Carlos Gomes Villela, quando ele precisou participar da Segunda Guerra Mundial na Itália e terminou o noivado. Ao voltar, ele pediu para reatar com Dona Lina, mas que antes precisava fazer uma confissão que poderia desmanchar o noivado. A informação confidencial era de que ele era comunista. Na época, a avó de Elenira nem tinha noção do que essa palavra significava, e aceitou se casar já que estava muito apaixonada. No entanto, após períodos de violência da ditadura, ela afirmava que se tivesse noção do que ia sofrer, não sabe que teria se casado. "Não por conta de discordar dos valores, mas por conta do sofrimento", dizia, segundo Elenira.

Carlos Gomes trabalhava no Gabinete Militar do recém empossado governo de João Goulart, em 1962. Dois anos depois, após o golpe militar, Gomes virou alvo da ditadura, tendo sido sequestrado no dia 3 de abril. Assim como Eunice Paiva, a avó de Elenira ficou um bom tempo sem notícias do marido, tendo que cuidar dos filhos sozinha enquanto era ameaçada de despejo pelos militares golpistas. Apesar da repressão, Dona Lila lidera uma revolta com outras esposas e resistiram à expulsão de suas casas. No entanto, também não tinham acesso às contas bancárias de seus maridos e enfrentavam diversas dificuldades, além da angústia de não saber se seus companheiros estavam vivos ou mortos.

"Fica ela, os três filhos - meu pai adolescente, minha tia pré-adolescente e a outra era criança - sem ninguém num prédio cheio de esposas e crianças, todas elas com os maridos presos, porque eles prenderam o gabinete militar todo", conta Elenira. 

Elenira também cita uma cena em que uma vizinha conta para sua avó que descobriu onde os maridos estavam presos e afirma que ficaria com as crianças para que ela pudesse ir ao Rio de Janeiro. Dona Lila, então, aos 30 e poucos anos, pega uma kombi sozinha com homens desconhecidos para ver seu marido. Ao chegar no Rio, ela consegue ver Carlos Gomes, que estava preso mas não havia sido torturado. 

Após ser libertado, o avô e a família vão para o Rio de Janeiro, mas dessa vez o pai de Elenira é preso, em junho de 1968. Seu pai chega a ser condenado, mas foge e começa a viver na clandestinidade. Em 1970, ele conhece a mãe de Elenira e tem duas filhas. "Eu e a minha irmã a gente nasce em condição de clandestinidade e a minha avó lidando com isso", relata. 

O Rubens Paiva de Dona Lila 

Assim como Rubens Paiva, que foi preso por fazer a comunicação entre pessoas que estavam exiladas e seus familiares, uma pessoa da confiança de Dona Lila era a responsável por trazer as cartas do pai de Elenira para ela. "Era o Rubens Paiva dela", conta a militante. "Meu pai sempre mandava cartas que não eram assinadas, que não podiam ser enviadas pelo correio. Então tinha que ter uns mensageiros que carregassem. E era o jeito que ela tinha notícias", acrescenta.

Após a década de 1970, porém, mais uma dor brutal para Dona Lila: sua filha e seu genro são presos e torturados pela ditadura. Um assunto proibido na família, segundo Elenira, mas que não precisava de palavras para compreender a dor da avó por não ter tido notícias da filha, não ter tido como ajudar e apenas imaginar as violências que o casal sofreu.

O medo pela neta

Em 2016, durante o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a ascensão da extrema direita e a onda de violência que se instaurava no país, Dona Lila voltou a sentir medo pela família e perguntou para a neta: "Elenira, você não tem como falar menos sobre isso [política], porque eu não sei se eu vou aguentar ver mais uma pessoa da família passando por isso". Elenira, então, respondeu que mesmo que "calasse a boca hoje e nunca mais falasse nada", se tivesse um golpe e resolvessem perseguir os resistentes, ela já estaria na mira. "Não tinha como, eu estava na direção nacional do sindicato nessa época", diz.

Dona Lila e Eunice Paiva ainda estão aqui 

"Então, essa mulher que não fez uma opção política por enfrentar a ditadura, nem por defender a democracia, mas que teve que entregar a vida fazendo isso durante um período enorme por conta do envolvimento e da consciência política de todos eles [filhos]", conta Elenira. Ela cita ainda que, um pouco antes de morrer em 2012, aos 91 anos, a última publicação que Dona Lila fez nas redes sociais foi de uma frase de Frei Beto em defesa da democracia.

"Na verdade, [ela] acaba desenvolvendo essa consciência política ao longo de quase 70 anos de convivência com os militantes", diz Elenira, que acrescenta que lembrou muito de sua avó num paralelo com a Eunice Paiva, porque ela não era a pessoa militante, era "a pessoa que é atingida porque a sua família fazia um trabalho de tentar defender a democracia e enfrentar a ditadura".

"Assim como Eunice Paiva, Dona Lila e tantas mulheres foram afetadas e tiveram sua família toda desordenada, e tiveram que lidar com tudo isso", completa.

Confira a entrevista completa da vereadora Elenira Vilela ao Fórum Onze e Meia abaixo: 

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