Um projeto de lei do deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), protocolado na Câmara em março, pretende definir a prostituição de rua como contravenção penal em todo o Brasil.
Pela proposta, quem for flagrado oferecendo serviços sexuais em ruas e avenidas poderá ser punido com prisão de 15 dias a três meses, além de multa que varia entre 50 a 100 dias-multa.
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Segundo a justificativa do projeto, essa prática interfere no direito de locomoção, privatiza áreas públicas sem autorização e impacta famílias e comerciantes que pagam "altos custos de IPTU e demais tributos".
"O meu ponto é o seguinte, eu não sou uma pessoa moralista, não sou uma pessoa que vai nem julgar, nem condenar quem se prostitui, nem quem contrata os serviços, não é a minha intenção. Qual que é a minha preocupação concreta? Esse projeto não veio da minha cabeça. Vêm preocupações de demandas reais, principalmente que há ostensivamente, todos os dias, oferecimento de serviços sexuais em frente às casas dessas pessoas", justifica o parlamentar, em entrevista a um canal do YouTube.
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No entanto, esse argumento é contestado por entidades que mapeiam os locais de oferecimento de serviços sexuais em São Paulo, e nenhuma delas está em zona com muitas residências, como diz esta matéria.
Além disso, mesmo as chamadas "ruas de trabalho" têm enfrentado dificuldades com o processo de valorização de regiões na capital paulista, como afirma estudo do Instituto Pólis e da Rede Paulista de Educação Patrimonial (REPEP). Este artigo aponta um processo que ocorre na República, onde, "com a gentrificação em voga no distrito no século XXI, nota-se já o escasseamento deste trabalho nesta área e nas ruas vizinhas. Esse movimento de expulsão de moradores mais pobres e de profissionais do sexo se multiplica pelas regiões em processo de enobrecimento por toda a cidade."
Fundamentos morais, não legais
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, representantes do Movimento Brasileiro de Prostitutas se posicionaram contra a proposta. "Seus fundamentos são morais, não legais. O que acontece nas vias públicas não são atos sexuais, prática punida pelo Código Penal, mas sim os encontros e a negociação dos serviços sexuais que serão prestados", pontuam.
"Ao afirmar, na justificativa, que a prostituição de rua privatiza o espaço público, o deputado parece desconhecer que a rua foi e continua sendo um espaço de trabalho para as pessoas mais pobres, sobretudo negras e periféricas. Também desconsidera que, para essa camada da população, a prostituição de rua ainda é, em muitos casos, a única forma possível de sobrevivência econômica."
O artigo também chama a atenção para as múltiplas possibilidades de repressão que podem ser abertas em caso de aprovação do projeto, destacando que "não há procedimentos simples para distinguir quem é e quem não é uma trabalhadora sexual, a potencial aprovação da lei poderá implicar assédio policial ou até mesmo prisão de toda e qualquer mulher que esteja na rua desde que vista pelas forças de segurança como 'prostituta'".
Ataque aos direitos das mulheres
A Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa) aponta que a proposta de Kataguiri representa um ataque aos direitos das mulheres.
“Esse PL é muito perigoso porque nenhuma mulher mais poderá ser vista em um momento de lazer, com roupas curtas, por exemplo, que poderá ser considerada como uma trabalhadora sexual e ser presa. Quem vai decidir se a pessoa é profissional do sexo ou não é um policial”, pontua a dirigente da Renfa e fundadora da Tulipas do Cerrado, Juma Santos.
Também militante da Renfa, Renata Gomes ressalta que as mulheres negras, travestis e periféricas serão as mais impactadas. “Aqui no Brasil, a prostituição não é crime. Crime é a cafetinagem. Quando você proíbe uma mulher de exercer essa prática profissional, você automaticamente está jogando ela para a cafetinagem", pontua. "E mais uma vez quem vai sofrer com isso são as mulheres, pobres, pretas, as travestis, porque as trabalhadoras de luxo não serão presas”. Ela também alerta para o risco de encarceramento em massa e o aumento da violência contra corpos trans e pessoas em situação de rua.
“A regulamentação do trabalho sexual no Brasil é o único caminho para garantir os direitos das trabalhadoras sexuais e evitar a exploração dos corpos", ressalta Juma. "Não aceitaremos mais esse ataque à nossa liberdade. Não aceitaremos que decidam sobre os nossos corpos. Nenhum direito a menos”.
Para a entidade, é preciso que o Estado priorize políticas públicas de educação e assistência social em vez de medidas repressivas e moralistas.