90,6% da população diz que há racismo no Brasil, mas 97,5% não se considera racista

Atlas Político revela ainda, entre outros dados, que maioria dos brasileiros enxerga motivação racista no assassinato de João Alberto no Carrefour; "Há também uma percepção maior a respeito da violência que se abate sobre negros e negras", avalia o historiador Vinícius Wu

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Pesquisa sobre o racismo no Brasil feita pelo Atlas Político e divulgada neste sábado (5) traz dados de diferentes estratos sociais que ajudam, em meio às discussões sobre o emblemático assassinato de João Alberto, homem negro espancado até a morte por seguranças de um Carrefour em Porto Alegre (RS), a entender qual a percepção do brasileiro com relação à temática racista.

Um dos dados que mais chama a atenção no levantamento é contraditório: 90,6% dos entrevistados reconhecem a existência do racismo no Brasil, enquanto 5,7% das pessoas não reconhecem e 3,6% não sabem responder. Apesar da maioria da população admitir o problema social, no entanto, quase ninguém se diz racista: 97,5% dos entrevistados dizem que não são racistas, enquanto apenas 2,5% admitem o racismo.

"Essa situação tem uma relação estreita com a construção histórica em torno do mito da igualdade racial. A ideia de que o Brasil não possui pessoas racistas, onde todos têm um amigo ou se dão bem com algum negro, é um processo cultural e político construído ao longo de todo o último século e que busca naturalizar e principalmente desresponsabilizar as pessoas em relação à opressão a que estão submetidos negros e negras no Brasil", disse à Fórum o historiador Vinícius Wu.

"É bastante paradoxal que, mesmo em uma pesquisa realizada no calor dos acontecimentos, logo após os episódios que ocorreram em Porto Alegre, no Carrefour, que resultaram na morte do João Alberto, ainda assim haja essa percepção da ausência do racista, da figura do racista na sociedade brasileira. Ainda que a maioria considere e identifique que de fato a sociedade brasileira é racista", completou Wu, que também é Mestre em Comunicação Social pela PUC-Rio.

Assassinato no Carrefour

A pesquisa Atlas Político foi realizada através de entrevistas com pessoas de todas as regiões do país entre os dias 20 e 22 de novembro, ou seja, logo nos dias seguintes ao assassinato de João Alberto no Carrefour. O crime aconteceu no dia 19 daquele mês. O estudo, naturalmente, abordou o tema com os entrevistados.

Para a maioria da população (52,7%), o assassinado de João Alberto teve motivações racistas. 25,9,% dos entrevistados disseram que o racismo não foi um componente do crime em Porto Alegre e outros 21,4% não souberam responder ou não ouviram falar do caso.

Discriminação

Apesar da maior parte da população brasileira se declarar negra (56,10%), segundo dados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento do Atlas Político mostra que a maior parte dos brasileiros afirma nunca ter se sentindo discriminada por conta de sua cor ou raça (69,9%). Apenas 30,1% dos entrevistados disseram já terem sido discriminados por este motivo. A população que mais se diz discriminada por conta de sua cor ou raça é a indígena (86%), seguida da população amarela (58%) e da população preta (54%).

Cotas raciais

Outro dado da pesquisa que chama a atenção é que os entrevistados, em sua maioria, apoiam o sistema de cotas raciais em universidades públicas. 46,2% se dizem favoráveis a essas políticas afirmativas, enquanto 39,7% se dizem contra e outros 14,1% não sabem.

"Esse dado se dá fundamentalmente pelo êxito, pelo sucesso das políticas afirmativas desenvolvidas no Brasil nos últimos anos. São visíveis os ganhos para a sociedade e para as populações marginalizadas, populações negras, os ganhos relativos a aplicação de políticas de cotas em universidades brasileiras, e até mesmo perpassando programas como o programa ProUni", avaliou Vinícius Wu.

"Na medida em que os resultados vão aparecendo e muitos dos mitos que eram criados ou preconceitos em torno das cotas que eram veiculados vão sendo desfeitos, como o de que, por exemplo, a presença de estudantes cotistas seria rebaixar a qualidade da educação superior, na medida em que esses mitos vão sendo superados, é bastante provável, como pudemos verificar na pesquisa, que uma parte maior da população vá se convencendo da pertinência e da validade da aplicação de políticas afirmativas no Brasil", acrescentou o estudioso.

Racismo estrutural

Entre outros dados, o Atlas Político mostra também que 58,9% das pessoas acham que o racismo no Brasil é frequente e estrutural, enquanto uma minoria (14%) diz que o problema é infrequente e outros 3,5% afirmam ser inexistente.

"Os dados indicam que há um aumento da percepção relativa à dinâmica estrutural de reprodução do racismo no Brasil Há um aumento da percepção de que o racismo no Brasil não se trata de atos isolados, individuais ou pontuais, mas de uma lógica que se reproduz ao longo do tempo, de maneira recorrente e reiterada, e isso, é sem dúvida, um elemento muito importante para se pensar as estratégias de superação do racismo no Brasil", considerou Wu.

Em seu Twitter, o historiador fez uma sequência de postagens destacando outros recortes da pesquisa Atlas Político. A íntegra do estudo pode ser conferida aqui.

https://twitter.com/vinicius_wu/status/1335240429239996418