A Justiça do Trabalho e a OIT: há tantas léguas a nos separar, tanto mar, tanto mar, por Ericson Crivelli

O Direito de Greve está inscrito na nossa Constituição Federal de forma clara. Estamos falando do direito da classe trabalhadora à autotutela, a definir as suas prioridades e à plena liberdade de ação

Foto: Agência Brasil
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Por Ericson Crivelli* No momento que escrevo esta pequena reflexão sobre a nossa Justiça do Trabalho a Organização Internacional do Trabalho (OIT) está reunida em Genebra na 108ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT). Este evento está sendo especial para a vida desta organização internacional. Primeiro, a OIT está comemorando 100 anos de existência. E, ainda, o aniversário de 75 anos da Declaração de Filadélfia. Nascida do pós-primeira Grande Guerra, a OIT foi uma lufada de civilidade e dignidade jurídica e política no entre guerras. Reconheceu e incorporou a sociedade civil na sua estrutura ao integrar empresas e trabalhadores na sua estrutura. Esculpiu na sua Constituição – como se denomina seu tratado inaugural -, pela primeira vez no âmbito internacional, o direito à liberdade sindical, pedra angular da emancipação do Direito da Classe Trabalhadora de construir, nas fábricas e ruas, o conceito moderno da autonomia da vontade coletiva. No mesmo documento criou conceito da organização mais representativa.

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A OIT teve suas CIT interrompidas durante os anos da Segunda Grande Guerra. Retomando seus eventos deliberativos em 1944, na cidade norte-americana de Filadélfia. Genebra foi evitada enquanto os conflitos armados ainda estavam ativos no palco europeu. Essa conferência elaborou uma Declaração que emendou a Constituição de 1919, dando continuidade à obra de construção normativa que deu à humanidade as bases que constituirão o Direito Sindical contemporâneo e à construção de um padrão mínimo para a construção do moderno sistema de relações de trabalho. Além das construções jurídicas que, imantadas de sabedoria e poesia, pregam nesse novo tratado - entre outras construções jurídicas memoráveis -, que a paz só pode ser permanente se assentada em justiça social.  Esses conceitos pavimentaram a construção das Democracias Liberais modernas resgatando, com maturidade jurídica, as generosas proposições da República Weimar. Estão dadas as condições para a futura celebração das Convenções Internacionais 87, 98, 144 e 151. Esses novos tratados celebram o direito contemporâneo, a negociação coletiva, à contratação e ao pleno reconhecimento do Direito de Greve. Enquanto que a parte mais bafejada pelas luzes da modernidade dos países democráticos constroem os seus modernos sistemas de representação de interesse, as entranhas autoritárias do Estado Novo de Vargas criaram a Justiça do Trabalho e os sindicatos corporativos. Nasceram univitelinos. Os destinos de ambos foram, no entanto, distanciando-se ao longo da história brasileira. Os sindicatos foram buscando afastar-se do modelo autoritário, ao menos no que diz respeito ao seu polo mais dinâmico. Construíram pujantes processos de negociação e contratação coletiva, como é caso dos bancários, metalúrgicos, comerciários, aeronautas, químicos e tantos outros. O Direito de Greve está inscrito na nossa Constituição Federal de forma clara e que compete aos trabalhadores definir os direitos a serem tutelados com o seu exercício. Estamos falando do direito da classe trabalhadora à autotutela, a definir as suas prioridades e à plena liberdade de ação. Enquanto a relação capital e trabalho avança nas relações diretas, vis-à-vis, o STF demora anos para reconhecer a representação de todos os trabalhadores pelos sindicatos. Assim fez na representação extraordinário para representar todos os trabalhadores através de ações judiciais coletivas. Enquanto avançamos em tantos outros pontos, o próprio STF recusa-se a reconhecer aos sindicatos a representação de todos os trabalhadores, definida em assembleia – quando encerram-se as fontes de custeio obrigatórias, e o direito de cobrarem resultados e conquistas de todos os sócios e beneficiados. Passados tantos anos da conferência de Filadélfia, continuam rezando o credo liberal, uma ode aos caronistas do processo democrático. No mesmo diapasão vive a nossa Justiça do Trabalho, reagiu impulsionada pelo STF nesta e outras matérias. Desde a adoção da CF-88, as parcas reformas foram impulsionadas de fora da sua estrutura, como o fim do juiz classista e a mitigada no poder normativo e os seus famigerados dissídios coletivos, procedimentos judiciais copiados da Itália fascista, mas abanados neste país em 1943, no exato momento no qual reencarnaram entre nós. No exato momento que os sindicatos de trabalhadores decidem exercer o direito de greve para defender os seus direitos na seguridade social, ameaçados pela Reforma da Previdência, o TRT da 2ª Região entendeu que os trabalhadores não poderiam fazer greve em protesto ao projeto de Reforma Previdenciária feita nos moldes propostos pelo governo Bolsonaro e a Comissão Especial da Câmara dos Deputados. A decisão do Tribunal paulista exigiu a manutenção de serviço mínimo de 80% dos transportes de ônibus e metrô, que viola as interpretações do Comitê de Liberdade Sindical da OIT. Primeiro, cabe esclarecer que as decisões do Comitê não consideram esses serviços como sendo essências no sentido estrito, condição à qual se admitiria limitações ou restrições no sentido estrito. Nesse sentido, prevê o § 842 da Recopilação de Decisões do Comitê. Ainda quando se admite a imposição de serviços mínimos, que não é o presente caso, deve haver prévia negociação, e as limitações não podem tornar a greve inoperante, o que parece ter sido a intenção da Justiça do Trabalho. Outro aspecto é a denominação de greve política, o que parece ser um dogma dos desembargadores paulistas. O mesmo Comitê da OIT definiu do § 758 da Recopilação que greve contra política econômica que atinge direitos ou interesses dos trabalhadores é legitima e, portanto, admissível. Parece-nos que as decisões que a Justiça do Trabalho tem adotado, nos últimos anos, sobre greve podem ter levado este ramo importante do Judiciário brasileiro não ao encontro da democracia liberal, mas do modelo denominado pelos orgulhosos populistas conservadores, como sendo de Democracia liberal. Cujos exemplos mais próximos estão na Hungria e na Polônia. *Ericson Crivelli é consultor trabalhista, mestre em ciência política pela UNICAMP, doutor em Direito pela USP, ex-professor adjunto da UNESP, autor e coautor de diversos livros e artigos sobre ciência política e Direito; sócio de Crivelli Advogados
 *Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.