Chacina do Jacarezinho: Wagner Moura e Daniela Mercury assinam carta em que pedem justiça e "respostas imediatas"

No documento público, membros da sociedade civil do Observatório de Direitos Humanos do CNJ falam em indenização para os familiares dos mortos e responsabilização dos envolvidos na operação policial; leia

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O ator Wagner Moura e a cantora Daniela Mercury estão entre os membros da sociedade civil que integram o Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que, neste sábado (9), divulgaram uma carta pública em que cobram justiça e "respostas imediatas" das autoridades sobre a chacina do Jacarezinho, operação da Polícia Civil realizada na última quinta-feira (6) na Favela do Jacarezinho e que terminou com 29 pessoas mortas, incluindo um policial.

"A grande mídia, as redes sociais e as denúncias dos moradores revelam sólidos indícios de prática de execução sumária e de abuso de poder por agentes estatais, cuja atuação deveria se pautar estritamente por ditames legais e constitucionais. A execução sumária de pessoas rendidas, invasão de domicílios sem ordem judicial, alterações nas cenas dos crimes, uso desproporcional da força e tortura não se coadunam com o Estado de Direito e aproximam a atuação de agentes policiais daquela esperada de foras-da-lei", diz um trecho da carta.

No documento, os membros do observatório chamam a atenção para o fato de que a operação policial desrespeitou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe incursões em comunidades durante a pandemia do coronavírus.

"A chacina do Jacarezinho envia a mensagem de que o povo negro, pobre e favelado não é titular de direitos. Nem mesmo quando a Suprema Corte do país proíbe a ação policial", escrevem. E prosseguem: "Em tempos de pandemia, houve aumento da insegurança pública, pois quem mora na favela faz parte do grupo de risco: não apenas risco de contaminação, mas risco de extermínio. O descumprimento frontal da decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, resultou em 28 mortes (27 moradores e 1 policial) e deve ser imediatamente investigada, também, pelo Procurador-Geral da República. Decisão do Supremo não se discute. Se cumpre".

O texto, além de cobrar investigação rigorosa do caso e responsabilização dos envolvidos, incluindo autoridades que autorizaram a operação, também fala sobre indenização aos familiares dos mortos na chacina. "O Observatório dos Direitos Humanos do CNJ confia que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Ordem dos Advogados do Brasil promoverão, cada qual nos limites de suas atribuições, a ampla e transparente investigação a respeito dos abusos cometidos e das violações de direitos praticadas pelos agentes estatais e exigirão a urgente obrigação de o ESTADO DO RIO DE JANEIRO INDENIZAR OS PARENTES DOS ASSASSINADOS", salienta o documento, com letras garrafais.

Aras pede esclarecimentos

Na sexta-feira (7), procurador-geral da República, Augusto Aras, havia expedido ofício em que dá prazo de 5 dias para que autoridades do Rio de Janeiro prestem esclarecimentos sobre a chacina do Jacarezinho. O ofício de Aras foi encaminhado ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), ao procurador-geral de Justiça do Ministério Público do RJ, Luciano Mattos, às Polícias Civil e Militar, ao Tribunal de Justiça e à Defensoria Pública do estado.

No pedido de esclarecimentos, o PGR sinaliza que as autoridades locais podem ser responsabilizadas por descumprirem decisão do STF sobre incursões em comunidades cariocas. A solicitação de Aras atende a um pedido feito pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que enviou petição do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular, órgão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contendo fotos e vídeos que trariam indícios de execuções sumárias e violações de direitos durante a ação da polícia.

A carta

Leia, abaixo, a íntegra da carta assinada por Wagner Moura, Daniela Mercury e os demais membros da sociedade civil que integram o Observatório de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A historia se repete: 28 vítimas, a maioria homens jovens, pobres e habitantes de comunidades vulneráveis foram mortos na manhã do dia 06 de maio de 2021 pelas forças de segurança pública do Estado Rio de Janeiro. Desta vez, com um agravante: a operação policial descumpriu decisão do Supremo Tribunal Federal.

Os policiais invadiram a favela do Jacarezinho, na Zona Norte, para realizar operação policial que se revelou a mais letal da história do Rio de Janeiro. Há um policial entre os mortos.

A grande mídia, as redes sociais e as denúncias dos moradores revelam sólidos indícios de prática de execução sumária e de abuso de poder por agentes estatais, cuja atuação deveria se pautar estritamente por ditames legais e constitucionais. A execução sumária de pessoas rendidas, invasão de domicílios sem ordem judicial, alterações nas cenas dos crimes, uso desproporcional da força e tortura não se coadunam com o Estado de Direito e aproximam a atuação de agentes policiais daquela esperada de foras-da-lei.

Mesmo após a determinação do STF, em outubro de 2020, as mortes em ações policiais no Rio, subiram 425%. Isto prova que o Estado do Rio de Janeiro insiste em resolver o problema do tráfico de drogas, matando os negros e os pobres, em vez de apreender as drogas e as armas nos aeroportos, portos e nas fronteiras e de bloquear as contas bancárias das quadrilhas. Não temos noticia da existência de nenhuma fábrica de armas em qualquer favela do Rio.

A chacina do Jacarezinho envia a mensagem de que o povo negro, pobre e favelado não é titular de direitos. Nem mesmo quando a Suprema Corte do país proíbe a ação policial.

Em tempos de pandemia, houve aumento da insegurança pública, pois quem mora na favela faz parte do grupo de risco: não apenas risco de contaminação, mas risco de extermínio. O descumprimento frontal da decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, resultou em 28 mortes (27 moradores e 1 policial) e deve ser imediatamente investigada, também, pelo Procurador-Geral da República. Decisão do Supremo não se discute. Se cumpre. Na ação policial há sinais de execução sumária, de abuso de poder.

As vítimas não foram só aquelas que tiveram seus corpos arrastados pelo chão. As vítimas também foram os moradores agredidos, que viram suas casas sendo invadidas, sem autorização judicial. Foram os trabalhadores que ficaram sitiados nos transportes públicos. Foram homens e mulheres que se encolheram atrás de paredes, esperando não serem atingidos pelos disparos de fuzil. As repercussões gravemente negativas para a integridade física e psicológica dos moradores do Jacarezinho são incomensuráveis.

Às vésperas do Dia das Mães, dezenas de mulheres choram seus filhos, mortos, ao lado de outras tantas que já enterraram, em outras incursões policiais os seus filhos.

A sociedade solicita a divulgação do nome completo de todas as vítimas. Pobres também têm nome e precisam ser respeitados.

Diante disso, os membros da sociedade civil que integram o Observatório dos Direitos Humanos do Judiciário – CNJ vêm a público manifestar seu repúdio à atuação das forças policiais do Estado do Rio de Janeiro, exigindo ações concretas e respostas imediatas do Governador, do PGR e demais autoridades, para que provem se houve mesmo a excepcionalidade que justificou a realização da operação policial no Jacarezinho na manhã do dia 06 de maio de 2021.

Além disso, o Observatório dos Direitos Humanos do CNJ confia que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a Ordem dos Advogados do Brasil promoverão, cada qual nos limites de suas atribuições, a ampla e transparente investigação a respeito dos abusos cometidos e das violações de direitos praticadas pelos agentes estatais e exigirão a urgente obrigação de o ESTADO DO RIO DE JANEIRO INDENIZAR OS PARENTES DOS ASSASSINADOS.

O Observatório confia também estas importantes instituições brasileiras adotarão providências legais para que os agentes policiais, bem como os responsáveis pela operação policial sejam pessoalmente responsabilizados pelos crimes praticados, afastando-os, de imediato, da função policial.

O Estado de Direito não comporta execução sumária. A democracia exige igual tratamento de todos, perante a lei. A autoridade policial não pode invadir domicílios sem mandado judicial.

Como membros do Observatório dos Direitos Humanos do CNJ, apoiamos a entidade EDUCAFRO, membra deste observatório que, junto com outras entidades trabalharam para a anterior conquista da ADPF 635 (que proíbe o Governador do Rio a realizar operações policiais em comunidades, durante a pandemia) e, agora, estão entrando no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com uma petição, ao Ministro FACHIN, solicitando que o STF defina – o que é excepcionalidade – e reforce a cobrança para que o ESTADO apresente um plano para redução da letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro.

Por fim, realçamos que é dever democrático que o Governo do Estado do Rio de Janeiro preste esclarecimentos públicos ao país, especialmente às famílias das pessoas assassinadas durante a operação policial, indicando as medidas oficiais que serão tomadas para investigar e punir os responsáveis.

Pelos seguintes Membros da Sociedade Civil que integram o ODH, do CNJ:

Frei David Dantos
Daniela Mercury
Daniel Silveira
Manuela Carneiro da Cunha
Wagner Moura
Rabino Nilton Bonder
Claudia Costin