“Construção coletiva”, diz uma das autoras de livro que retrata lutas e desafios do feminismo no campo

Edcleide da Rocha Silva, moradora no Assentamento Padre Emílio April, em Alagoas, é ativista do Movimento de Mulheres Camponesas e escreveu três textos para a obra

Fotos: Arquivo Pessoal
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A rica trajetória de lutas e conquistas das mulheres do campo está retratada no livro “Feminismo camponês popular: reflexões a partir de experiências no Movimento de Mulheres Camponesas”. O lançamento é da editora Expressão Popular, através do selo Outras Expressões.

A obra conta a história de mulheres que se organizaram para lutar contra o sistema capitalista, patriarcal e racista. Funciona como mais uma ferramenta feminista para combater discriminação, opressão, exploração e violência.

Ao longo dos 13 textos que o compõe, o livro traz elementos e concepções que foram sendo formulados a partir da organização, formação e lutas do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), desde seu surgimento, contemplando, também, as diversidades do Brasil.

Autora de três dos 13 textos da obra, Edcleide da Rocha Silva, moradora no Assentamento Padre Emílio April, Sítio Gordo, União dos Palmares, em Alagoas, afirma que o livro foi concebido através de uma construção coletiva.

“O processo de organização do projeto se deu de forma coletiva, trazendo a diversidade do campo e da nossa luta. A gente pôde fazer um mapeamento dos temas de importância, como colocar sujeitos de fala, e a realidade que nos marca, que nos torna camponesas. É um livro organizado pelas mulheres do movimento e traz a cara dessa diversidade nacional”, define.

Agricultora e camponesa, Edcleide tem formação acadêmica em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde cursou especialização e mestrado em Educação. Atua na defesa da Educação no campo e, também, tem orgulho de dizer que é uma educadora popular, desempenhando atividades de militância no MMC.

Foto: Reprodução

“Feminismo camponês popular: reflexões a partir de experiências no Movimento de Mulheres Camponesas” tem organização de Adriana Maria Mezadri, Justina Inês Cima, Noeli Walter Taborda, Sirlei Antoninha Kroth Gaspareto e Zenaide Collet.

O lançamento ocorrerá no dia 10 de fevereiro, às 19 horas, em live pelas redes sociais do MMC (Facebook e YouTube) e da Editora e Livraria Expressão Popular (Facebook e YouTube). Vendas no site.

Edcleide da Rocha Silva é camponesa, com formação em Filosofia e Educação

Fórum - Como surgiu a ideia do livro, o que ele aborda e quais os principais tópicos?
Edcleide da Rocha Silva:
O livro surgiu a partir dos espaços de formação e organização que se constroem desde as bases nos estados e em nível nacional do nosso movimento. Podemos dizer que essa publicação é uma conquista das lutas do MMC, das mulheres que estão tanto na base quanto na coordenação desse movimento e que trazem, a partir da realidade de camponesas e agricultoras, a construção coletiva de sermos protagonistas de nossa própria história. Houve debates para definir as pautas. O livro traz elementos da nossa história, desde os anos 80, ainda como articulação de mulheres, depois em 2004, quando assumimos esse nome de Movimento de Mulheres Camponesas, trazendo como principais lutas as coisas que marcam essa trajetória no campo, as conquistas, tanto no sentido de produzirmos agricultura, quanto trazendo pautas como aposentadoria, salário maternidade, documentação, violência contra mulheres, divisão justa do trabalho. Tudo isso, além de demarcar a defesa da natureza, da mãe-terra, a agroecologia feminista camponesa e popular, como projeto de sociedade justa.

Fórum: Como foi o processo de organização do livro?
Edcleide da Rocha Silva: O processo de organização, assim como a divisão dos capítulos, dos artigos, das pessoas, se deu de forma coletiva. A gente pôde fazer um mapeamento dos temas de importância, como colocar sujeitos de fala, e não colocar os temas simplesmente como temas, mas de forma aprofundada, com essa realidade que nos marca, que nos torna camponesas. É um livro organizado pelas mulheres do movimento e traz a cara dessa diversidade nacional. É a materialização da ideia de construção pelas mãos camponesas, onde cada pessoa tem um papel singular e que, de forma nenhuma, uma se sobrepõe à outra.

Fórum: Quais os principais desafios da mulher camponesa nos dias de hoje, principalmente diante do governo Bolsonaro?
Edcleide da Rocha Silva:
O desafio principal é de continuar existindo numa sociedade em que há um projeto desumano, um projeto de morte, enquanto nós lutamos em defesa da vida. Um projeto que ataca os direitos conquistados historicamente, até mesmo dentro da Constituição. Nos ataca e nos coloca em risco. Um exemplo das lutas que temos é o Projeto de Lei 735, que não foi aprovado até hoje. O PL traz acesso emergencial, apoio ao trabalho das mulheres, renda para a agricultura camponesa e familiar, para poder produzir alimentos e combater o que se alastra hoje, que é a fome em nosso país. Pessoas passam fome, o investimento é só para o agronegócio, para o latifúndio, para ‘passar a boiada’, como falou o próprio ministro (Ricardo Salles, do Meio Ambiente). Enquanto isso, nós da agricultura familiar e camponesa, as mulheres, estamos à beira da violência, da destruição, de ataque a nossos territórios e aos povos tradicionais do campo. Além disso, por falta de administração, vivemos uma crise sanitária, que ataca todos os eixos, não só a Saúde, e que também nos coloca em risco. Nossos desafios são muitos. Por isso, é fundamental nos organizarmos enquanto sociedade, unir campo e cidade pelo impeachment já dessa pessoa que está no poder.

Fórum: Como você observa a questão da violência contra a mulher?
Edcleide da Rocha Silva: Os dados de violência contra a mulher são alarmantes, e se ampliaram no momento de pandemia. Neste governo, não há proteção sobre a vida humana, sobre a vida da mulher, diante de uma sociedade patriarcal, racista, homofóbica. Por isso, nosso maior desafio é continuar sendo sementes de resistência, fazendo transformação e plantando esperança.

Fórum: As mulheres ainda encontram resistência na luta camponesa por questões ligadas ao machismo?
Edcleide da Rocha Silva:
Sim. A violência está em nossa volta, existe muita relação de machismo, de poder dentro do campo, mas nós estamos construindo esse feminismo camponês popular, trazendo o desafio da agroecologia, com o projeto de alimentação para o mundo, denunciando o agronegócio, que enriquece e gera lucro para a burguesia do setor, mas que também traz fome e miséria.

Fórum: O livro contempla essas questões?
Edcleide da Rocha Silva:
Nosso livro traz essas lutas e conquistas, mas também traz desafios, quando colocamos a história do movimento e a luta das mulheres camponesas por igualdade social, quando trazemos as mulheres indígenas e a defesa do território, quando colocamos o marco histórico das organizações do campo, com a história das ligas camponesas no Nordeste, quando apontamos o feminismo camponês popular na luta antirracista, na resistência contra a LGBTfobia e colocamos a agricultura camponesa agroecológica das mulheres como fator de resistência.