Dia Mundial do Meio Ambiente: "É dia de refletir que Mundo queremos para o Amanhã, para o pós-pandemia"

Em entrevista à Fórum, Leticia Tura, da FASE, rebateu a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que o Brasil é o país mais preserva a natureza no mundo e comentou sobre a pauta ambiental

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Desde o ano passado, o Brasil tem chamado atenção em todo o mundo pelas políticas ambientais que tem sido adotadas no governo do presidente Jair Bolsonaro e o aumento de índices de desmatamento e queimada no país.

Nesta sexta-feira (5), Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente da República afirmou que o Brasil é "o país que mais preserva o meio ambiente do mundo", despertando críticas de ambientalistas e autoridades, que lembraram da fala do ministro Ricardo Salles de que iria aproveitar a pandemia para "passar a boiada" e os índices do último ano.

A diretora-executiva nacional da FASE, Leticia Tura, foi uma das que discordou da frase do presidente e concedeu entrevista à Fórum sobre o assunto. A FASE é uma organização reconhecida internacionalmente pelo seu trabalho para a construção de uma sociedade democrática através de uma alternativa de desenvolvimento sustentável.

"Estamos longe, no momento, de ser o País que mais preserva no Mundo. Na verdade, do nosso ponto de vista, precisamos ser um país que mais preserva o meio ambiente, mas um meio ambiente com pessoas. É preciso conservar a floresta em pé, assim como, é preciso zelar pela vida dos povos da floresta", avaliou.

Tura destacou que a alta de devastação da Amazônia Legal foi de 29,5% e ainda lembrou de episódios como o "Dia do Fogo" e do vazamento de óleo no Nordeste. "O Brasil tem vivido um intenso e acelerado processo de desregulação ambiental e desconstrução de todo nosso aparato institucional e governança ambiental, que se repercutiu em 2019 no crescimento dos focos de queimadas e do desmatamento, principalmente, na Amazônia e no Cerrado", declarou.

A secretária da FASE comentou que a devastação da floresta continuou mesmo diante da pandemia do coronavírus, fazendo com que o Brasil, ao contrário de outros países, não passasse por nenhuma "trégua" na emissão de gases de feito estufa durante o isolamento social da população. "Ao contrário, a emissão cresceu neste período em função do aumento do desmatamento", afirmou.

"Dados espantosos do DETER demonstraram que de janeiro a abril, deste ano, os alertas de desmatamento na Amazônia cresceram 62%, em relação ao mesmo período em 2019, e o mês de maio já apresentou um aumento de 34% de alertas em relação ao mês de abril", detalhou.

Tura criticou também o PL 2633, criado a partir da derrubada da MP 910, apelidada de MP da Grilagem. Segundo ela, o PL "manteve o coração da proposta [derrubada] que é a permissão da regularização fundiária sem vistoria, por autodeclaração. Isso acaba legalizando a grilagem de terras no Brasil".

Questionada sobre qual deve ser a principal mensagem nesse Dia do Meio Ambientel, ela destacou a importância da transversalidade de pautas e da reflexão sobre qual mundo queremos que surja no amanhã, após a pandemia. "É dia de refletir que Mundo queremos para o Amanhã, que Mundo queremos para o pós-pandemia. Não queremos voltar aquilo que foi considerado Normal até aqui. Queremos um Mundo com justiça ambiental, sem racismo, sem feminicídio, sem homofobia. Todas estas lutas estão articuladas", finalizou.

Confira a entrevista completa:

Fórum: Desde o ano passado a Amazônia tem chamado a atenção do mundo em razão do aumento do desmatamento. Como está a situação da Amazônia hoje?

Leticia Tura: A situação só se agrava. Assim como o crescimento do desmatamento, assistimos ao assassinato de lideranças indígenas e camponeses em meio a pandemia. Há pouco tempo fomos afrontados pela fala do Ministro do Meio Ambiente que defendia que o governo se aproveitasse da situação de calamidade pública para “passar a boiada” sobre o regramento ambiental brasileiro, flexibilizar, ainda mais, normativas ambientais brasileiras, entendidas com entraves, como burocracia, por grandes empresas do agronegócio brasileiro, em prol da exploração irracional, exaustiva dos recursos naturais.

O presidente Jair Bolsonaro publicou neste Dia do Meio Ambiente uma mensagem dizendo que “somos o País que mais preserva o meio ambiente do mundo”. Como enxerga essa declaração?

O Brasil apresentou importantes avanços nas últimas décadas com relação a preservação ambiental, mas ainda tinha um longo caminho a ser percorrido na direção da justiça ambiental. No entanto, o Brasil tem vivido um intenso e acelerado processo de desregulação ambiental e desconstrução de todo nosso aparato institucional e governança ambiental, que se repercutiu em 2019 no crescimento dos focos de queimadas e do desmatamento, principalmente, na Amazônia e no Cerrado. A alta do desmatamento na Amazônia Legal foi de 29,5%, maior área desmatada desde 2008. O estado do Pará, onde ocorreu o “Dia do Fogo”, respondeu por 40% desse aumento. Vivenciamos ainda, no ano passado, o vazamento de petróleo que atingiu toda a costa do nordeste brasileiro. Então, estamos longe, no momento, de ser o País que mais preserva no Mundo. Na verdade, do nosso ponto de vista, precisamos ser um país que mais preserva o meio ambiente, mas um meio ambiente com pessoas. É preciso conservar a floresta em pé, assim como, é preciso zelar pela vida dos povos da floresta.

A MP 910, apelidada de MP da Grilagem, caducou no Congresso Nacional, mas os parlamentares da bancada ruralista já apresentaram um projeto de lei parecido. Houve mudanças? Como avalia esse novo projeto?

Esse não é um projeto novo. A substituição da MP 910 pelo PL 2633 não apresentou mudanças substantivas, pois manteve o coração da proposta que é a permissão da regularização fundiária sem vistoria, por autodeclaração. Isso acaba legalizando a grilagem de terras no Brasil. Alguns cálculos indicam que esta lei poderá levar a uma privatização de 20 milhões ha de terras públicas e um acréscimo de 16 mil km2 de desmatamento. Por isso, um conjunto organizações da sociedade civil brasileira está exigindo a sua retirada da pauta, e outras medidas graves para o meio ambiente, pelo menos enquanto durar a pandemia.

Acredita que a pandemia do coronavírus tem impacto na preservação do meio ambiente?

A pandemia da COVID-19 é resultado da degradação ambiental que temos vivenciado em todo o planeta, de forma acelerada, nas últimas décadas. Ainda que durante o período de isolamento social, vários países apresentaram uma redução das emissões dos gases de efeito estufa, observa-se que a medida que o isolamento se encerra as emissões voltam a crescer. No entanto, no Brasil, nem durante o isolamento social o processo de degradação do meio ambiente encontrou trégua. Ao contrário, a emissão dos gases de efeito estufa cresceu neste período em função do aumento do desmatamento. Dados espantosos do DETER demonstraram que, de janeiro a abril deste ano, os alertas de desmatamento na Amazônia cresceram 62%, em relação ao mesmo período em 2019, e o mês de maio já apresentou um aumento de 34% de alertas em relação ao mês de abril.

Para você, qual a principal mensagem para se passar no Dia do Meio Ambiente esse ano?

No Brasil, a questão fundiária e a questão ambiental estão entrelaçadas. Assim, no dia do Meio Ambiente precisamos lutar, antes de tudo, pela garantia dos direitos socioterritoriais de povos e populações tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares. Pelos direitos de quem vive na e da floresta, do cerrado, dos pampas, dos rios e igarapés. É dia de refletir que Mundo queremos para o Amanhã, que Mundo queremos para o pós-pandemia. Não queremos voltar aquilo que foi considerado Normal até aqui. Queremos um Mundo com justiça ambiental, sem racismo, sem feminicídio, sem homofobia. Todas estas lutas estão articuladas.