Luiz Roberto Alves: "o candidato-mito e os discursos míticos do Centrão, um insulto à consciência dos eleitores"

"Fico com quem está mostrando ações concretas que mudaram o destino de milhões de brasileiros e que podem ser retomadas e ampliadas. Vou com Haddad, 13."

Foto: Ricardo Stuckert
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Por Luiz Roberto Alves* MITO! Exatamente essa é a palavra mais gritada por apoiadores do candidato Bolsonaro. Qual seria a razão mais simples da gritaria? Talvez porque a pessoa esteja acima de todos, como um semi-deus? Ou por ter algumas habilidades especiais e diferenciadas? Por qualquer razão igual ou similar a essas, trata-se de grave erro político, cultural e religioso. A habilidade extraordinária de atletas, artistas, representantes populares, lideres de comunidades de fé, intelectuais e outros não se constituem mitos; são pessoas históricas, reais, cujos dons são admirados e seguidos porque efetivamente realizam, por longo tempo de experiência, tarefas e projetos inovadores e transformadores. Apesar do abuso das mídias, há nomes e adjetivos adequados para eles. Não mito! Ser chamado de mito deveria provocar revolta numa pessoa de consciência saudável. Ruim mesmo é quando o chamado envaidece e faz subir nas nuvens, ou quando se pretende deformar uma ação política. A rigor, quando entendido como mito, segundo a antiga e bela análise das narrativas humanas, tal fato detona o sentido do trabalho e da habilidade realizados na história e começa um “culto cego”, uma “adoração irracional”. A gritaria ou a narrativa do mito rouba a história das ações e cria uma narrativa que fica acima de tudo, fora da história real, que é a nossa. Para tanto, é comum que a construção do mito use símbolos nacionais, como hino, cores e bandeira. O uso leva, depois, ao abuso. Tenta-se criar a ilusão de que essa gritaria carrega maior patriotismo, o que é uma mentira que busca ser verdade. Por isso, toda pessoa portadora de consciência saudável que lê, conhece e realiza suas práticas com generosidade e esperança, se horroriza quando alguém chama de míticas suas preces, narrativas, sabedoria e profecia. Ao contrário, cada geração de fé busca atualizar falas e escrituras que tiveram e continuam a ter valor histórico. Ora, se não tiverem valor histórico não poderão redimir ninguém, salvar ou melhorar a sociedade humana, histórica. Eis que nos surgiu um mito-candidato. Alguma grave deformação leva alguns líderes de igrejas e comunidades cívicas a pretenderem participar da mitificação, embora esta seja negada pelos textos e narrativas orais de sua fé e suas crenças, todas as que temos neste país-continente. Talvez tais supostos líderes já tenham perdido a fé. Certamente aí opera o mito do interesse e esse interesse sempre é econômico-financeiro e uma maneira de abocanhar parte do poder que se organiza em torno do mito. Nada a ver com mais segurança, qualidade de vida, equidade de direitos, valores educacionais, mudança social. Tudo a ver com seus mitos de interesse pessoal e do seu grupo. Segurança, educação, equidade de direitos, saúde, habitação se realizam por políticas historicamente comprometidas, por pessoas e instituições que sabem ler a palavra e o mundo dentro da história concreta, por métodos transparentes. Não é possível construir políticas públicas saudáveis colocando uns como lobos dos outros na sociedade diversa e empobrecida. Seria saudável que as comunidades cívicas e religiosas negassem e superassem a cegueira desses supostos líderes. Estas eleições podem sinalizar o momento anti-mítico da história do Brasil republicano. O que os apoiadores do mito-candidato estão a fazer é um “roubo de história”, uma tentativa de roubar nossa fala e nossas práticas por exclusivo interesse pessoal. Quem incorpora o mito encarcera a história e pode deitar e rolar com o poder supostamente inquestionável. Muitas vezes o não-questionamento é conquistado à bala, tortura e outros horrores, com o sacrifício nosso e de nossos filhos e netos. Os estudos de história já esclareceram muitos momentos de mitificação de pessoas e organizações. Do mesmo modo, há um discurso oportunista de candidatos que desejam se mitificar por meio de uma posição de centro. De fato, esse Centrão deseja se lambuzar do espírito do mito de interesse, ficar fora da história real que move estas eleições e fazer supor que é o único capaz de vencer tudo e todos. A isso se chama auto-mitificação. Eles merecem a mesma desconfiança popular e o mesmo destino: fora do direito de governar um povo diverso e desigual, que exige máximo senso de realidade. Nada de mito. Ele não. Eles também não. O mito deforma, afasta a memória, cala, arrebanha, submete, mas não passa de conversa, promessa, grito, linguagem dura e deformadora. Fico com quem está expondo, analisando e mostrando ações concretas, históricas, que mudaram o destino de milhões de brasileiros antes privados de direitos básicos e que podem ser retomadas e ampliadas no rumo das equidades sociais. Vou com Haddad, 13. Como pessoas concretas, sabemos como criar a justiça e garantir os direitos destas e das futuras gerações. *Luiz Roberto Alves é professor, pesquisador, educador da escola pública paulista, membro do Conselho Nacional de Educação entre 2012 e 2016 e presidente da Câmara de Educação Básica do CNE (2014-2016)