Músico, jovem negro é preso em Niterói, sem provas, e vai parar no presídio

É a segunda vez, este mês, que a polícia comete o mesmo procedimento: prender um jovem negro sem permitir que ele se defenda previamente da acusação

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Luis Justino, um jovem negro de 22 anos, acabara de tocar violoncelo, com outros músicos amigos nas Barcas, em Niterói (RJ). No retorno para casa, eles foram abordados pela polícia. Justino foi revistado e levado para a delegacia, na última quarta-feira (2). A polícia alegou que havia um mandado de prisão contra ele, por um crime ocorrido em 2017. Luís teria sido reconhecido por fotografias como o autor de um assalto à mão armada.

Mas todos que são próximos ao rapaz afirmam que se trata de boa gente. Luiz Justino toca, há mais de dez anos, na Orquestra da Garoa. O presidente do grupo musical, Paulo de Tarso, diz que o jovem estava trabalhando na noite em que o crime ocorreu, no Café Musical do bairro Piratininga, longe do local do crime; há fotos e vídeos que comprovam essa versão.

O rapaz, no entanto, foi preso e se encontra na cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, zona norte do Rio. "Levaram ele na quarta-feira para a delegacia e de lá ele não saiu mais. Um jovem que estuda, tem residência fixa, mas é negro e pobre. A polícia disse que o mandado de prisão foi expedido depois que a vítima reconheceu ele por foto como autor do crime, mas o Luiz não tinha nem passagem pela polícia. Como foi feito esse reconhecimento se ele não era fichado?", questiona Paulo de Tarso.

Angélica Costa, que é mãe do músico, acredita que o rapaz foi preso por racismo. O garoto é pai de uma menina de dois anos. A Fórum falou com a historiadora Cláudia Vitalino, secretária Nacional da União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO). Ela é carioca e está indignada com o caso: "Ele foi identificado pela vítima, depois de três anos... e ele foi preso sem qualquer investigação, com base apenas na palavra da vítima... e ele foi preso sumariamente.. Se ele fosse um jovem branco, o crime seria investigado e ele iria responder em liberdade. Ele foi preso, mesmo não tendo sido em flagrante, e foi conduzido ao presídio. Isso é mais uma faceta do racismo institucional".

O tio de Justino, Leandro Justino, que tocava com ele no dia do crime, também se mostra revoltado com a situação: "Um grande questionamento para todo mundo é que ele nunca teve ficha na polícia. Ele nunca foi uma pessoa violenta, sempre esteve com a gente na orquestra. Está há 16 anos lá, e sempre trabalhou. Ninguém tem nenhuma dúvida, não tem o que falar dele", desabafa.

"A única prova que a polícia tem em mãos é o reconhecimento de uma vítima de roubo através de uma foto sua. Não sabemos como foi parar em uma delegacia a foto de um jovem sem antecedentes para ser reconhecido por vítimas de crimes", afirma, em nota, o Espaço Cultural da Grota.

A história se repete

No mês passado já havia ocorrido um caso semelhante em Niterói, quando um outro jovem negro foi preso, sob a acusação de roubo à mão aramada. A polícia afirmou que o reconhecimento de Danilo Félix Vicente de Oliveira se deu por meio de fotos nas redes sociais do garoto. O dado controverso nesse caso é que a defesa do rapaz afirma que as características do criminoso, de acordo com o processo, diferem das do garoto. O criminoso era pardo e tinha cabelo curto, Danilo é negro e usa cabelos trançados.

Cláudia Vitalino acredita que os dois casos são exemplares de como age a polícia em relação aos jovens negros no Rio de Janeiro. "A Justiça serve a quem? Uma pessoa com bons antecedentes, trabalhadora, com a ficha limpa e que agora será misturado com bandidos. Isso causa revolta, impotência, porque quem deveria nos proteger acaba por nos tratar como cidadãos de segunda categoria. Tá tudo errado, agora é o inocente quem tem que provar que não é culpado. Esse é mais um absurdo, mais uma violação dos direitos humanos praticados por essa que é quarta pior polícia do mundo, que soluciona apenas dez por cento dos casos que investiga", argumenta a historiadora.

Segundo dados da Rede de Observatórios de Segurança, no Rio de Janeiro, 78% dos mortos por intervenção policial em 2019 eram jovens e negros. 

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