Para Djamila Ribeiro, Manuela foi desrespeitada por ser mulher e de esquerda

“O que esperar do programa a não ser o que exatamente aconteceu? Se tomamos a decisão de ir, e julgo que é importante, é preciso entender que ali não se faz jornalismo sério”, afirma a ativista

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[caption id="attachment_135686" align="alignnone" width="960"] Foto: Reprodução/Facebook Djamila Ribeiro[/caption] Depois da imensa repercussão da entrevista da pré-candidata Manuela D’Ávila (PCdoB) no programa “Roda Viva”, veiculado pela TV Cultura, na última segunda-feira (25), na qual a bancada deu show de misoginia e desrespeito, várias foram as personalidades que reagiram em apoio à deputada estadual no Rio Grande do Sul e presidenciável.  Nesta quarta-feira (27), a ativista, feminista, acadêmica e mestre em Filosofia, Djamila Ribeiro, postou em sua página no Facebook em texto em solidariedade a Manuela. E ainda sugeriu que as mulheres tenham preparo em outra forma de resistência. Acompanhe a íntegra: Meus pitacos sobre o desrespeito sofrido por Manuela D'Ávila, no sofrível programa Roda Viva: Todos e todas sabem que o programa não é mais de qualidade há muito tempo, apresentadores e entrevistadores sofríveis, desonestos intelectualmente, falaciosos e etc. Isso está posto. Guilherme Boulos também foi muito desrespeitado quando lá esteve, perguntas tendenciosas, fracas, proselitistas, foi um show de horror, aquilo esteve longe de ser um debate sério. Os entrevistadores se sentiram autorizados a desrespeitar Boulos por conta de sua posição política. Manuela também foi desrespeitada por conta de sua posição política, fosse uma mulher de direita, ou que defendesse as visões dos entrevistadores, eles se comportariam de forma diferente. Entendo que ela não foi desrespeitada somente pelo fato de ser mulher, mas também pelo fato de ser mulher e, com acréscimo, de esquerda. Boulos foi desrespeitado, mas não tão interrompido quanto Manuela. Essa tática machista de interromper mulheres é conhecida como, em português, coisa parecida com “homem interrompendo” ou “homem explicando”. Por terem sido construídos como os sujeitos do poder, homens brancos se julgam os grandes sabedores de tudo, mesmo que não saibam. Sujeitos que sempre foram autorizados a falar, entendem que em seus mundos só pode haver reciprocidade com sujeitos como eles, haja vista que muitos sequer enxergam humanidade nas mulheres ou em pessoas negras. Se sabemos que essa tática é antiga e que o Roda Viva é a expressão do que não entendemos por jornalismo, não consigo entender a surpresa sobre o que aconteceu. Aqui, talvez, seja meu ponto de discordância com muitas feministas. O que esperar do programa a não ser o que exatamente aconteceu? Se tomamos a decisão de ir, e julgo que é importante, é preciso entender que ali não se faz jornalismo sério. Em "Recusando-se a ser uma vítima", Bell Hooks discorre sobre o fato da identidade vitimada a qual muitas mulheres brancas preferem recorrer em vez de se prepararem para a resistência militante. A autora afirma que mulheres negras, historicamente, por saberem dos horrores do racismo e machismo, em vez de se esconderem na identidade vitimada, pensaram redes de solidariedade e de enfrentamento para não se fixarem num papel que lhes fora imposto. Hooks também fala que, quem acreditou que seria tratada com humanidade, numa sociedade racista e machista como a nossa, foram aquelas que acreditaram no discurso neoliberal, inclusive da mídia. Num país em que a cada 5 minutos uma mulher é agredida e, que a cada 23, um jovem negro é assassinado, não dá para esperar benevolência de quem oprime. O que precisamos fazer é encontrar formas de enfrentar, desestabilizar e não de nos esconder na fragilidade que eles impuseram às mulheres brancas. Porque aí se cai exatamente no papel que querem: daquelas que não sabem enfrentar uma situação difícil porque são “frágeis”. É preciso romper com essa conveniência. Sabemos o quanto é duro ser mulher na política, precisamos seguir lutando contra o machismo em todas as esferas, mas penso que não podemos mais nos dar ao luxo de ficarmos surpresas com situações como essa; é preciso entender a resistência militante como estratégia política de ação. Cair na identidade vitimada, quando Manuela tem todas as condições para fazer um debate, se posicionar, brigar para não ser interrompida, exigir que os entrevistadores a ouçam, ser agressiva, ainda mais quando se sabia estar num campo minado, é um caminho que julgo mais apropriado para além de se cair numa condescendência masculina que nos vê como alguém a ser protegida. Não estou julgando a presidenciável, é difícil ser mulher e estar no fronte, mas é preciso desmistificar esse feminino. Passei por isso com um político presidenciável num debate e sei bem como é, mas não fui esperando algo diferente. A nós, mulheres negras, como nos ensina as feministas negras, nunca nos coube esse papel. Somos as raivosas, agressivas, que fazem barraco. E por que? Porque em vez da identidade vitimada, escolhemos ir pra cima. E pagamos um preço alto por isso. Claro que as pessoas podem se indignar contra o que aconteceu, realmente foi um absurdo, o que ainda me intriga é a gente se indignar com coisas que poderiam ser enfrentadas e desestabilizadas se as mulheres brancas recusassem a identidade vitimada. Ps: homens de esquerda indignados: quantas mulheres vocês já interromperam hoje?