Para especialista, privatização do saneamento exclui municípios pobres do acesso ao serviço

“Se o PL for aprovado, cidades mais pobres terão que operar com recursos próprios”, diz Marcos Montenegro, coordenador geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento

Foto: Agência Brasil/Arquivo
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Na avaliação de Marcos Montenegro, coordenador geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), o Projeto de Lei 4.162/2019, que tramita no Senado e foi pautado para esta quarta-feira (24), entre outras medidas, acaba com a cooperação entre entes federados nos serviços de água e esgoto.

"O PL, que prevê maior participação da iniciativa privada no saneamento, na prática fará com que municípios mais pobres sejam excluídos do acesso aos serviços", destaca Montenegro.

Para ele, atualmente, por meio do subsídio cruzado, os municípios superavitários garantem o saneamento naqueles que são deficitários.

“Se o PL for aprovado, essas cidades mais pobres, que não são atraentes para as empresas de saneamento, terão que operar com recursos próprios. E sabemos que isso é impossível em muitos casos”, afirma Montenegro.

Segundo estudo realizado pelo Instituto Transnacional, com sede na Holanda, 884 municípios, em mais de 35 países, reestatizaram seus serviços de 2000 a 2017. A razão, na maioria das vezes, foram as tarifas altas e a baixa qualidade do serviço.

O ex-secretário nacional de Saneamento e membro do Conselho de Orientação do ONDAS, Abelardo de Oliveira Filho, alerta que a experiência também mostra que a privatização não garante mais investimentos para o setor de saneamento.

“Um exemplo disso é Manaus, onde o saneamento é privatizado há 20 anos e conta com mais de 600 mil pessoas sem água e apenas 12,5% da população com acesso ao esgotamento sanitário. Aliás, o Banco Mundial, incentivador das privatizações nos anos 90, já fez ‘mea culpa’, porque nunca houve aporte de recursos privados no saneamento. O dinheiro sempre foi do setor público”, destaca.

Segundo Aberlado, para garantir a universalização do saneamento há necessidade de que a Lei Nacional do Saneamento (11.445/2007) seja totalmente implantada.

“Só assim será garantido o acesso à água de qualidade para todos, além de assegurar recursos financeiros permanentes para se investir no setor de saneamento. Para isso, no entanto, uma das necessidades é a revogação da EC 95”, afirma o ex-secretário.

Manifesto

O Ondas, juntamente com dezenas de outras entidades, divulgou um documento dirigido aos senadores, no qual manifesta que “a garantia do acesso aos serviços de saneamento básico para toda a população, inclusive aquela que não tem condições de pagar, não pode ser submetida aos interesses privados, onde o lucro vem em primeiríssimo lugar. O saneamento não pode prescindir de uma forte atuação dos operadores públicos estaduais e municipais”.

Ao final, os signatários fazem um apelo “para que não permitam que o PL 4.162, de 2019, seja apreciado, sobretudo num momento de pandemia da Covid-19 e de crise social, política e econômica que se abate sobre o povo brasileiro”.