Todos os dias, mais de 200 crianças e adolescentes são torturados ou agredidos no Brasil, diz levantamento

Casos recentes como o do menino Henry ou o das crianças que foram submetidas a tortura em um ritual de radicais religiosos se repetem de forma chocante no país, segundo dados extraídos pela Sociedade Brasileira de Pediatria

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Nesta terça-feira (20) pela manhã, veio à tona o caso de um garoto da cidade de Erechim, no Rio Grande Sul, que foi agredido covardemente pelo padrasto enquanto assistia aulas online. A agressão foi flagrada por professores e estudantes e a escola acionou o Conselho Tutelar da cidade.

Na semana passada, um grupo de crianças que estava sendo submetido a tortura em um ritual religioso por uma família foi resgatado pela Polícia Civil, na cidade de Bragança, nordeste do Pará. Conforme informações de testemunhas, no final da cerimônia macabra, as crianças seriam sacrificadas. Ainda de acordo com pessoas que viram o ato, o objetivo do ritual seria “acabar” com a pandemia do coronavírus.

Também recentemente, a morte do menino Henry Borel em março chocou o país. A mãe do menino de apenas 4 anos, Monique Medeiros, e seu namorado, o vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho (Solidariedade), foram presos após as investigações concluírem que a criança foi agredida e torturada antes de morrer.

Esses casos ganharam holofotes, mas não são isolados. Eles compõem uma realidade assustadora que se repete em todo o país. Segundo levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgado nesta segunda-feira (19), todos os dias são notificados, em média, 243 agressões de diferentes tipos (física, psicológica e tortura) contra crianças e adolescentes, entre o nascimento e 19 anos de idade.

Para se ter uma ideia da dimensão do problema, somente no ano de 2019, foram 88.572 notificações do tipo, o que representa um aumento de 270% em comparação ao ano de 2010, sendo que em cerca de 60% dos casos essas agressões ocorreram em ambiente doméstico. "Infelizmente, a casa não é um lugar seguro para todos, pois muitas crianças e adolescentes da família precisam compartilhar esse espaço com a pessoa que os violenta", afirma o dr. Marco Antônio Chaves Gama, presidente do Departamento Científico de Segurança da SBP.

Os dados foram extraídos pela SBP em parceria com a equipe do 360° CI do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

Do total de registros analisados entre 2010 e 2019, 71% (62.537) são decorrentes de violência física, 27% (23.693) de violência psicológica e 3% (2.342) de situações de tortura. A análise não considerou outros tipos de violência como assédio sexual, trabalho infantil, entre outros que, segundo a SBP, serão abordados em outra publicação posterior.

"Esses números são apenas a ponta de um enorme iceberg. A subnotificação é uma realidade, ou seja, o total de casos que não chega ao atendimento médico nem ao conhecimento das autoridades, é significativa", pontua Gama.

Confira a íntegra do estudo, com os registros por estado, aqui, e os registro por capital aqui.

Mortes por agressão física

Outro estudo recente da Sociedade Brasileira de Pediatria aponta que, entre 2010 e agosto de 2020, 103.149 crianças e adolescentes entre o nascimento e 19 anos foram mortas após agressões físicas.

Os números foram retirados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que trata, em seu capítulo 10, de causas externas de morbidade e mortalidade.

Para se ter uma ideia de como o caso Henry se repete Brasil afora, no período analisado, foram registradas mortes de 2 mil crianças com até 4 anos, como o menino do Rio de Janeiro, após agressões físicas, o que representa cerca de 200 óbitos por ano.

“O caso do menino Henry não pode ser ignorado e deve ser apurado com todo o rigor que a lei exige. Tal barbárie deve alertar, ainda, para a existência de outras crianças e famílias que vivem dramas semelhantes, mas poucas chegam à mídia. O Brasil precisa estar preparado para, por meio da efetiva implementação das políticas de prevenção à violência na infância e na adolescência, garantir ações articuladas entre educação, saúde, segurança e assistência social”, afirma a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva.