FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO

Mais crédito, mais casa própria: reforma de Haddad e Galípolo promete injetar bilhões na economia

Com nova regra, que reformula sistema da poupança no financiamento imobiliário, bancos terão mais liberdade para emprestar e famílias terão mais acesso à casa própria

Créditos: Pedro Ladeira/Folhapress
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O governo federal fez a maior mudança no crédito imobiliário brasileiro em mais de 20 anos, nesta sexta-feira (10). A reformulação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) altera profundamente o uso dos depósitos da poupança para financiar habitação, ampliando o crédito para a classe média e modernizando a estrutura do sistema. A alteração é vista como uma resposta à queda da poupança como principal fonte de financiamento imobiliário.

Isso porque, nos últimos anos, os investidores migraram para aplicações mais rentáveis (como CDBs, LCIs, CRIs e Tesouro Direto), reduzindo o volume disponível para os bancos emprestarem, de acordo com o especialista Luciano Bravo, da Inteligência Comercial, que considera que o governo busca “flexibilizar sem perder o foco”:

“A ideia é modernizar o sistema e dar mais liberdade aos bancos, desde que eles ampliem o crédito habitacional. É uma forma de responder à nova realidade do investidor e da economia brasileira”, explicou à Fórum.

Consistência

A nova política faz parte de uma estratégia mais ampla de reindustrialização verde e inclusão produtiva, que passa pela retomada do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), pelo lançamento do programa Acredita, e pela defesa da taxação dos super-ricos e dos lucros financeiros como forma de garantir equilíbrio fiscal sem sacrificar o investimento social - tema que tem sido atacado pelo Congresso Nacional, que tenta implantar uma “bomba fiscal” no Planalto em ano pré-eleitoral.

O novo modelo é, inclusive, consistente com as alterações propostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que viabilizou R$ 111 bilhões em recursos no primeiro ano, tornando disponíveis R$ 52,4 bilhões a mais, em relação ao modelo atual, para financiamento habitacional nesse período — dos quais R$ 36,9 bilhões de forma imediata.

Paralelamente, o BC promoveu mudanças na regulamentação que disciplina o recolhimento compulsório sobre os depósitos de poupança, possibilitando que até 5% dos saldos de poupança, ao serem utilizados para operações de crédito imobiliário, possam ser deduzidos da exigibilidade de recolhimento.

O que dizem especialistas e autores da medida

A reformulação do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) foi articulada entre o Ministério da Fazenda (MF), o Banco Central (BC) e o Ministério das Cidades (MCID). A medida rompe com privilégios e resolve um gargalo histórico da economia, de acordo com o ministro Fernando Haddad.

O ministro considera ainda que o próximo ano será vital para a testagem dos novos parâmetros e que, até o começo de 2027, seja possível tecer novos horizontes com a implementação gradual, com ajustes anuais supervisionados pelo BC e pela Fazenda:

“Usamos este ano para aplicar o dinheiro novo do novo modelo, numa modelagem que vai garantir crédito barato e nos permitir testar os parâmetros estabelecidos no voto, que serão revisados anualmente”, explicou Haddad. “Esperamos que, no final do ano que vem, as condições de política monetária estejam substancialmente diferentes das atuais. Temos que ter muita responsabilidade com esse ano de experimentação”, disse.

O presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, ressaltou que o sistema financeiro precisava ser modernizado para equilibrar estabilidade, liquidez e política monetária. Além disso, ponderou que, com o aumento de brasileiros com mais acesso à educação financeira, a poupança — que costuma ser usada para financiar os investimentos privados em imóveis via o SBPE - deixa de ser atrativa.

“Desde o Minha Casa Minha Vida, a participação do crédito imobiliário brasileiro praticamente dobrou, porém, quando comparamos com países pares, temos indicadores abaixo da média”, explicou Galípolo. “Parte desse problema decorre de particularidades do sistema de financiamento no Brasil. Conforme as pessoas têm acesso a mais produtos e conhecimento financeiro, a atratividade da poupança naturalmente cai. Por isso é tão importante o que se apresenta: uma proposta para usar os recursos da poupança, mas também resolver problemas estruturais”, afirmou.

Galípolo destacou que a reforma também busca corrigir o “descasamento de prazos” — ou seja, recursos com liquidez diária (como o Tesouro, vinculado à Taxa Selic, que é mais atrativa para bancos e grandes incorporadoras na hora de financiar construções) sendo usados para financiar imóveis de longo prazo: “Ao liberar recursos da poupança para investir em ativos mais líquidos e usar o dinheiro de mercado para financiar o setor imobiliário, a gente resolve uma questão de estabilidade e ajuda na potência da política monetária”, completou o presidente do BC.

A proposta, assinada pelos líderes das instituições nesta sexta-feira (10), foi celebrada tanto pelo setor financeiro quanto pelo setor imobiliário consultado pela Fórum. A mudança é vista como uma resposta à nova realidade do mercado financeiro, de acordo com o economista do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Brasília, João Gabriel Araújo.

“Com a Selic alta, as pessoas migraram da poupança para investimentos mais rentáveis, como CDBs e Tesouro Direto. Isso reduziu o dinheiro disponível para os bancos financiarem imóveis. O governo tenta, agora, equilibrar essa equação com um modelo mais flexível”, explica João Gabriel Araújo.

O especialista em mercado imobiliário Daniel Claudino avalia que o novo sistema “destrava” o crédito sem romper o equilíbrio fiscal: “É um destravamento operacional. Entra mais liquidez no sistema, e os bancos tendem a reabrir caixas de crédito e alongar prazos, especialmente para famílias da classe média. O SFH continua como âncora de proteção para o mutuário, com juros limitados e previsibilidade”, analisa.

Na mesma linha, o executivo Luciano Bravo, da Inteligência Comercial, destaca que o governo reagiu a uma tendência global: “O crédito imobiliário brasileiro perdeu força porque a poupança deixou de ser atrativa. Essa modernização dá mais liberdade para os bancos, mas mantém o foco em ampliar o acesso à moradia, sem aumentar o gasto público.”

Já o diretor regional da RE/MAX, Leonardo Guerra, aponta que a redução do compulsório de 20% para 15% pode liberar bilhões em novos financiamentos: “Com mais de R$ 1 trilhão em depósitos de poupança, 5% disso destinado agora ao crédito imobiliário representa uma injeção direta de recursos. Isso vai movimentar o setor e permitir mais financiamentos dentro do SFH”, explica.

No Congresso: propostas que podem acelerar ou travar a reforma

Enquanto o governo avança na execução da nova regra, o Congresso Nacional discute uma série de projetos que podem complementar — ou frear — a modernização do sistema. Entre as principais propostas estão:

  • PL 5464/2023, que redefine o seguro habitacional do SFH e amplia mecanismos de proteção aos mutuários;
  • Debate sobre tributação de LCIs e LCAs, instrumentos que hoje são isentos e que o governo evita taxar para não desincentivar o crédito;
  • Projetos para desburocratizar concessão de crédito e digitalizar registros imobiliários, reduzindo custos e prazos;
  • Propostas de atualização do FGTS e ampliação do Minha Casa Minha Vida, garantindo equilíbrio entre habitação popular e crédito para classe média.

O que muda com a nova regra do SBPE

A nova regra reduz o depósito compulsório que os bancos precisam manter no BC (de 20% para 15%) e substitui o modelo fixo de destinação da poupança — hoje 65% obrigatoriamente voltados para crédito imobiliário — por um sistema de “matching”. Isso significa que o banco que captar recursos no mercado especificamente para habitação poderá usar proporcionalmente mais recursos da poupança com liberdade, desde que amplie o crédito habitacional.

Antes, a poupança era uma fonte engessada de financiamento: parte parada no BC, parte bloqueada em regras fixas, com pouca flexibilidade para os bancos emprestarem. Agora, com o fim gradual do direcionamento obrigatório e da rigidez no compulsório, os bancos terão liberdade para captar dinheiro novo no mercado — via instrumentos como as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) — e ampliar o crédito sem comprometer a estabilidade do sistema.

A mudança também eleva o teto do valor de imóveis financiáveis no SFH, que passa de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões, beneficiando a classe média e famílias que estavam fora das faixas do Minha Casa Minha Vida (MCMV). Mais detalhes sobre as mudanças podem ser conferidas na matéria da Fórum dedicada ao tema.

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