“A regulamentação da maconha não aumenta o consumo”, diz Mercedes Ponce de León, fundadora da Expocannabis Uruguai

Ela tem absoluta convicção de que a cannabis e sua indústria vão continuar crescendo exponencialmente, trazendo muita inovação e mudanças substanciais em diversos setores. 

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Ela tem absoluta convicção de que a cannabis e sua indústria vão continuar crescendo exponencialmente, trazendo muita inovação e mudanças substanciais em diversos setores. O evento começa nesta sexta-feira (8) e vai até domingo (10), em Montevidéu. Por Lucas Vasques Em sua quarta edição, a Expocannabis Uruguai se apresenta como uma oportunidade única para que as pessoas envolvidas no tema cannabis avaliem a experiência da legalização da maconha neste país e conheçam detalhes da implementação da Lei 19.172, seus êxitos e dificuldades, assim como os avanços medicinais e seu potencial industrial. O evento, que começa nesta sexta-feira (8) e vai até domingo (10), reúne no espaço LATU/Montevidéu, todos os atores nacionais e internacionais da indústria da maconha. Doutores, acadêmicos, advogados, empresários, ativistas, cientistas, representantes estatais, ONGs e o público em geral compartilham, em um único espaço, suas opiniões e avaliações de uma lei sem precedentes. Mercedes Ponce de León, 32 anos, é uma das fundadoras da Expocannabis. Sua relação com a maconha começou na adolescência. Logo, participou ativamente, militando na Juventude da Vertiente Artiguista, pela legalização da substância no Uruguai. Viajou vários anos pelo mundo, descobrindo as realidades da cannabis em países como Marrocos, Holanda, Espanha, Gâmbia, Senegal, Colômbia e Estados Unidos. Em 2008, começou a trabalhar na indústria da cannabis na California, Estados Unidos, e desde então nunca parou. Sempre buscando uma maneira de aproximar do Uruguai os conhecimentos e experiências encontrados no exterior, em 2013, enquanto se discutia a lei 19.172 no Parlamento Uruguaio, resolveu gerar uma plataforma que oferecesse informação às pessoas e ajudasse a desestigmatizar a planta. Assim começou a nascer a Expocannabis Uruguai, pela mão do coletivo Uruguay Siembra, com o qual lançou também o Guia Cannabis, a primeira publicação gráfica sobre maconha no Uruguai.  Mercedes acredita firmemente que a cannabis e sua indústria vão continuar crescendo exponencialmente e vão trazer muita inovação e mudanças substanciais em diversos setores. A Expocannabis apresenta um ciclo de conferências, fóruns e cursos ministrados por experts uruguaios e internacionais. Alguns temas que serão tratados: Cannabis e Cannabinóides no Tratamento da Dor Crônica Osteoarticular, pela dra. Raquel Peyraube (Uruguai); Cannabis Medicinal na Epilepsia Refratária em Crianças, pela dra. Andrea Rey (Uruguai); Trabalho de Investigação Científica, pelo dr. Fabricio Pamplona (Brasil); Situação da Regularização da Maconha no Uruguai", pelo dr. Martín Collazo de Monitor Cannabis Uruguay (Uruguai); Colocando os Pontos na Regulação da Cannabis no Uruguai, com a participação de vários especialistas em política, medicina, além de debater aspectos legais e financeiros; Destrinchando o Prensado Paraguaio, a pior maconha do mundo já foi boa!, trabalho jornalístico e documentário sobre o processo da regulamentação da maconha no Uruguai, por Matías Max (Brasil). Em relação ao aspecto medicinal, a Expocannabis Uruguai 2017 abre as portas do Consultório de Orientação em Cannabis Medicinal, a cargo de especialistas em medicina cannábica. O público pode agendar suas consultas sem nenhum custo adicional e se informar sobre o potencial da planta para tratar diversas doenças. Uma das novidades dessa edição é a Tenda de Cultivo, um espaço dedicado inteiramente ao cultivo, onde se poderá observar, consultar, compartilhar, aprender e escutar conferências ministradas por especialistas internacionais. Após a realização da Expocannabis, será realizada, em janeiro, em Punta del Este, também no Uruguai, o evento internacional Cannabis Conference, que vai trazer palestras com as últimas novidades sobre os usos na medicina, tecnologia, inovação e outras áreas da indústria da cannabis. As palestras e workshops serão realizados por especialistas uruguaios e internacionais, com foco científico, acadêmico e político. Além das apresentações, no evento também será possível encontrar stands, espaços de chill out, food trucks e exposições artísticas. Em entrevista exclusiva à Fórum, Mercedes conta sua relação com a cannabis. Fórum - Por que você se interessou em atuar nesse tema?   Mercedes Ponce de León - Passei a me interessar pelo assunto quando comecei a consumir maconha diariamente aos 18 anos e, aos 20 anos, me transformei em uma militante na Juventude da Vertiente Artiguista, um setor político da Frente Amplio (força política uruguaia). Fórum - O argumento de quem é contrário à regulamentação é que a iniciativa provoca o aumento no consumo. Você tem dados em relação a isso no Uruguai? Procede essa informação? Mercedes Ponce de León - Até este momento não foi constatado que a regulamentação da maconha tenha provocado aumento do consumo no Uruguai. As estatísticas mostram que o consumo está estabilizado desde 2011, ou seja, desde que a imprensa, as pessoas nas ruas, nas casas, a sociedade em geral, começaram a falar sobre o assunto com mais frequência. Em resumo, a regulamentação da maconha não aumenta o consumo. O fundamental é ter informação. Isso ajuda a que as pessoas conheçam os riscos e os danos associados a seu uso, assim, como se mudem as campanhas de prevenção e os usos potenciais da planta e de suas propriedades psicoativas. Fórum - Por suas experiências sobre o tema, você acredita que a regulamentação acaba necessariamente com o narcotráfico? Como está esse cenário no Uruguai? Mercedes Ponce de León - A regulação acabou com 18% do mercado do narcotráfico no Uruguai. Isso se mostra, inclusive, pelo número de apreensões policiais. Hoje, são menores do que a quantidade de cannabis regulamentada que se consome. Portanto, a regulamentação é mais efetiva do que a ação da polícia. Sem dúvida que o narcotráfico sente muito o efeito e vem perdendo seu mercado. Fórum - O narcotráfico está se mantendo agora por conta da cocaína, que não é liberada? Mercedes Pon de León - O narcotráfico opera com as drogas mais pesadas, mas também com a cannabis. Há muita gente não registrada, incluindo turistas, que ainda compram do narcotraficante.  Fórum - Você acha possível também a liberação da cocaína no Uruguai? Em sua opinião isso acabaria de vez com o narcotráfico? Mercedes Ponde de León - A tendência de regulamentação da cocaína existe e, por meio da experiência com a maconha, será possível avaliar se realmente é esse o caminho mais correto. Sem ataques gratuitos sobre a regulamentação, pois não é uma luta de um país isolado, mas, sim, uma tendência mundial que deve acontecer, como ocorreu com a cannabis. Mas temos ainda muito caminho pela frente para trabalhar esses temas. Fórum - Como funciona a comercialização do produto no Uruguai? É vendido abertamente só em farmácias ou há restrições? E em relação à quantidade? É permitido plantar em casa? Mercedes Ponde de León - Existem três vias legais de acesso para se conseguir a cannabis para uso adulto e não medicinal. As três são para uruguaios maiores de idade, que devem se registrar. As modalidades são: autocultivo - cada residência tem direito a plantar até seis pés e recolher cerca de 40 gramas mensais; clubes - associações civis que contam com, geralmente, entre 15 e 45 membros, que podem cultivar até 99 plantas e os associados podem adquirir até 40 gramas mensais; farmácias - os usuários podem comprar nesses locais até 40 gramas mensais. Fórum - Como a imprensa e a sociedade em geral estão tratando essa questão no Uruguai? Há um conservadorismo por parte, principalmente da classe média, que prejudica essa análise? Mercedes Ponde de León - Foram derrubados muitos mitos e preconceitos, pois já faz quatro anos que a maconha é legal no Uruguai. Depois desses anos, não aconteceu nada de catastrófico, não foram registrados problemas de segurança ou de saúde pública. Pouco a pouco a sociedade compreende o potencial medicinal e industrial da planta e que há possibilidades inovadoras para o país em várias frentes. Isso é muito importante para a classe média, que se valoriza com essa atividade. Fórum - Além da utilização recreativa, quais outros usos se faz da maconha em seu país? Mercedes Ponde de León - Medicinal e industrial. Os usos industriais do cânhamo são muito importantes. A cannabis é matéria prima para mais de 25 mil produtos de diversas e variadas indústrias. Por exemplo: papel, material de construção, produtos têxteis, cosméticas, bio plásticos etc. Ainda por cima é de rápido crescimento e permite uma colheita a cada 120 dias, além de ser muito bom para o meio ambiente, pois gera bio massa para o solo, limpa e purifica a água com suas raízes. Fórum - Você já declarou que a maconha não vicia, pois não apresenta dependência física. Quem vicia é a mente humana. Você se baseia em comprovações científicas para fazer essa avaliação? Mercedes Ponde de León - As substâncias psicoativas geram dependências, mas a cannabis provoca uma baixíssima, quase imperceptível, dependência: apenas 9% dos usuários assíduos apresentam sintomas de dependência. Na verdade, o que produz esse efeito é o THC e a dependência não está associada aos usuários medicinais, especialmente, aqueles que utilizam doses baixas sem o THC. Os sintomas de abstinência da cannabis são leves e duram entre três e sete dias. São eles: insônia, perda de apetite e, às vezes, dores de cabeça e irritação. Fórum - Em outra declaração, você afirmou que a cocaína, sim, vicia. Como lidar com isso, no caso de uma possível liberação dessa substância? Mercedes Ponde de León - Essas questões se resolverão quando for o momento, pois será necessário um trabalho muito sério, importante e interdisciplinar, envolvendo várias áreas, para se desenhar a melhor estratégia possível de regulamentação de outras drogas, além da maconha. Muitas substâncias com as quais lidamos diariamente geram dependência física e, enquanto sociedade, precisamos ter a capacidade de nos adaptarmos. Por exemplo: café, mate, álcool, tabaco, morfina etc. Não se deve ter medo das substâncias, mas devemos aprender e nos informar para saber como nos relacionarmos com elas. Fórum - Você acha possível implantar no Brasil a mesma política canábica do Uruguai? Mercedes Ponde de León - Creio que cada país precisa ter sua própria regulamentação. Não somos países iguais. Portanto, a regulamentação deve ser adaptada às necessidades e ao contexto de cada país. Sem dúvida, o Brasil pode aprender muito com nossa experiência no sentido de trabalhar em busca de suas próprias normas. Fórum - O que é a Expocannabis, o que é discutido e como tem sido a evolução do evento? Mercedes Ponde de León - A Expocannabis é uma plataforma de informação e articulação da indústria da maconha no Uruguai. Procura articular todos os atores dessa indústria, desde o Estado, a iniciativa privada, os centros de investigação e os usuários. Trata-se de um evento internacional de grande nível, que busca desestigmatizar a maconha. Foto: Divulgação