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O principal desafio da Igreja Católica é "se transformar em africana". Esta é a opinião do teólogo, professor e chefe do departamento de Ciência da Religião, na Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Altemeyer, Segundo ele, na "Europa a Igreja já morreu, na América Latina é emergente. Mas onde o catolicismo mais cresce no planeta é na África. Então, ou a Igreja católica se africaniza, por assim dizer, assume o povo negro como seu sujeito, ou se continuar branca, ocidental, aquilo que o Trump quer fazer, vai morrer".
Pesquisador e autor de diversos livros sobre a Igreja e o Papa Francisco, como a obra Uma Igreja de portas abertas - nos caminhos do papa Francisco (editora Paulinas), Altemeyer fala com exclusividade à Fórum sobre os principais contrastes da Igreja Católica, a necessidade de mudanças e quais serão os desafios para o futuro da Igreja e de Mario Bergoglio.
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Foto: Reprodução/Facebook Fernando Altemeyer[/caption]
Apesar da grande popularidade, o Papa Francisco encontra muita resistência dentro da própria Igreja católica. Na opinião de Altemeyer, o grupo de oposição interno existe porque se aferra em posições petrificadas. Além disso, de acordo com ele, um Papa que queira avançar, sempre terá algum grupo de oposição. “Só que esses grupos hoje são fortes, são financiados pelo capitalismo, pelos grandes bancos. O Francisco está sendo perseguido porque ele tem proclamado a defesa dos refugiados, o fim da xenofobia”, diz.
Fórum – Como define o estilo do Papa Francisco à frente da Igreja, concorda que ele pode ser considerado progressista? E qual avaliação faz do seu pontificado?
Fernando Altemeyer – Ele não cabe nesses encaixes. Isso é muito pequeno para ele. Ele é um sábio. Não sei se você conhece algum sábio, eu conheci vários na vida. É gente que mexe com as correntes subterrâneas. Então, progressista, reacionário, esquerda, direita, tudo isso é ‘espuma do mar’. Ele não se encaixa. É um homem do subterrâneo, das profundezas, do pensamento existencial. É um grande intelectual, um grande personagem, não no sentido professoral, mas no sentido de humanidade. E, nesses cinco anos, ele está sendo ele mesmo, o sábio, esse grande pensador, esse homem que compreende a crise da humanidade. Não dá para colocá-lo nesses ‘balancinhos’, esquerda, direita, progressista, reacionário. Aliás, isso já está ultrapassado. E nele, cabe menos ainda essa roupa. É imprópria.
Fórum – Onde ele avançou mais e quais os desafios mais difíceis de enfrentar?
Fernando Altemeyer – Ele avançou profundamente em retomar a mensagem de Jesus na sua pureza, na sua integridade, porque ela estava enfeitada demais pela cristandade, por modelos obsoletos. Avançou no diálogo com as pessoas do mundo, não só as católicas. Ele realmente é uma referência. Eu tenho amigos judeus, que o admiram profundamente, islâmicos que rezam pelo Papa. Evangélicos e da Assembleia de Deus têm um carinho enorme. Ele avançou muito nisso. É um homem amado e bem quisto, porque ele sabe conversar e respeitar os outros. Os desafios que ele tem no futuro são enormes: a reforma interna da Igreja, os novos debates sobre matrimônio e sexualidade, a questão de um novo Clero, mais aberto, mais sintonizado com a modernidade. As tarefas não são só dele, mas de toda a Igreja católica. Mas ele, como maestro, tem de colocar os instrumentos para afinar. A tarefa dele se passa por convidar as pessoas a participarem mais, porque tem muita gente que não faz nada na Igreja católica, e ele fica cutucando, pois na hora que todos fizerem muda a estrutura. Tem tarefas gigantes. Ele assumiu duas agora. Uma é em outubro, que é conversar com os bispos do mundo inteiro sobre a juventude mundial; e outra em outubro de 2019, que é conversar com os bispos do mundo inteiro a respeito da questão da Amazônia e dos povos indígenas.
Fórum – Apesar da grande popularidade, ele encontra resistência interna, recebendo a acusação de quebrar a unidade da Igreja. Em sua opinião, por que há essa resistência?
Fernando Altemeyer – Porque esses cardeais, especialmente o cardeal Burke [Raymond, cardeal norte-americano que acusa o Papa Francisco de heresia], são defensores de um modelo que já foi ultrapassado na década de 60. Mas como eles são meio museólogos, se aferram àquelas posições petrificadas e não avançam. Na verdade, eles o acusam de heresia, não são delicados, já ‘chutam’ o Papa, de forma, inclusive, ignorante. Eu sou teólogo e os pontos que eles chamaram de dúvidas graves não se sustentam. Qualquer estudante de Teologia do primeiro ano responderia aos cardeais, dizendo que fizeram sofisma. Grupos de oposição, todos os Papas tiveram. Um Papa que queira avançar, sempre terá algum grupo de oposição. Só que esses grupos hoje são fortes, são financiados pelo capitalismo, pelos grandes bancos. Eles fazem mais barulho. Mas isso não é novo. O Francisco está sendo perseguido porque ele tem proclamado a defesa dos refugiados, o fim da xenofobia. E, claro, quem é xenófobo, quem é reacionário e racista, vai atacá-lo. É evidente. E é até bom, porque assim mostra que não há um consenso. A Igreja não é um Exército. O bom é que isso seja correto, honesto. Às vezes, eles têm jogado com desonestidade, o que não é razoável.
Fórum – Ele aborda temas considerados tabus, como homossexualidade, aborto, sexo etc. Quais os limites do pontificado do Papa Francisco?
Fernando Altemeyer – De fato, é uma questão complexa. A minha sexualidade, a sua, nem eu, nem você, sabemos. Não tem tema mais complexo da vida humana do que você compreender sua própria sexualidade. Ele percebeu isso e não apresenta solução, pois não é um sexólogo, mas compreendeu que, como vamos falar para o mundo que está em mutação, em processo de descobertas, não é possível falar para um adolescente: ‘Olha, não vai transar, não vamos falar disso, porque é pecado’. O adolescente vê isso em revista, fala com qualquer pessoa no Facebook. Então, ele disse: ‘Vamos deixar de ser um pouco hipócritas, vamos por esses temas em cima da mesa, com lucidez, claro, com critério. Mas vamos conversar abertamente sobre isso, sobre divórcio, sobre homossexualidade’. Se uma pessoa for travesti, deve-se assumi-la dentro da Igreja, com sua identidade, não vamos pedir que ela mude. Isso causa um escândalo, porque antes era tudo mais esquadrinhado, mais reacionário. Se não está dentro, caia fora. O Francisco não tem essa tese. Para ele, se você é diferente, tem que estar dentro. Não importa que tenha essa ou aquela opção, realidade ou pensamento. A Igreja cabe em todos. Isso criou um mal-estar para quem vinha com o controle da ‘bilheteria’. Não tem ‘bilheteria’. Deus ama cada pessoa. Então, apesar de não ser uma novidade, pois é a mesma postura de Jesus, é novidade em relação aos últimos 200 anos. Ele está retomando uma tradição belíssima, mas isso cria tensões.

Fórum – Em sua opinião, quais as principais contradições da Igreja católica?
Fernando Altemeyer – A primeira é que ela vai ter, em breve, que se transformar em africana, pois na Europa ela já morreu, na América Latina é emergente. Mas onde o catolicismo mais cresce no planeta é na África. Então, ou a Igreja católica se africaniza, por assim dizer, assume o povo negro como seu sujeito, ou se continuar branca, ocidental, aquilo que o Trump quer fazer, vai morrer. Esse é o maior desafio. O segundo é a mulher, porque sempre tem uma posição subalterna na Igreja e isso vai ter que ser revisto completamente. E a terceira é a revolução planetária das grandes cidades. Até 2030 ou 2050, haverá muitas cidades planetárias com mais de 10 milhões de pessoas. Como fazer uma Igreja para 10 milhões? Como agir, criar uma religião adequada para uma megalópole? São os três grandes desafios: o mundo urbano, a mulher e a África. Fórum – Questões como formação de sacerdotisas para ministrar missas, casamento de padres, sexo antes do casamento, divórcio, uso de preservativos e outras que fazem parte do dia a dia das pessoas são temas considerados dogmáticos pela Igreja. Essa postura não a afasta da realidade e a faz perder seguidores? Fernando Altemeyer – Casamentos já existem. Existem padres casados não aqui no Brasil, mas no Líbano, em países orientais. Isso ele pode liberar. Não tem nenhum impedimento canônico. É só uma tradição, uma espécie de regulamento, mas pode mudar. Mulheres, ordenadas sacerdotisas, já é uma questão mais complexa. Está em debate, mas é mais delicado. Ele está pensando em ter algumas chamadas diaconisas, um cargo menor do que as sacerdotisas. Estão discutindo, mas até agora não saiu nenhuma solução. Padres se casarem é bem mais simples. No momento, não há no Ocidente, pois no rito latino, eles precisam ser solteiros. Mas isso pode mudar. Francisco está pensando em colocar padres casados para trabalhar na Amazônia. Ele até pediu a Dom Cláudio Hummes, bispo do Brasil, que prepare uma proposta para que, em outubro do ano que vem, se colocassem padres casados em lugares que não há padre nenhum, como na África e Ásia, mas ele queria começar a experiência na Amazônia. Em relação às outras questões, existe um buraco, que vai precisar ser resolvido. Por uma maior competência dos padres e bispos em entender um pouco mais de sexualidade humana, real, biológica, psíquica etc. Alguns têm feito um esforço de compreender, porque a sexualidade é um enigma. Nem os sexólogos têm soluções muito boas. Nem os psicoterapeutas conseguem ter clareza. É uma coisa da nossa intimidade. Mas a Igreja precisa andar uns quilômetros, porque ela está parada ainda em modelos pré-Freud. E é claro, não só para evitar perder fiéis. Mas para ter uma mensagem adequada à juventude, para não ficar achando que tudo o que é discurso sobre sexo é pecado. Isso é uma bobagem, porque o sexo é criação de Deus, o prazer é uma beleza, não é pecado. Isso tem avançado, mas não muito. O Francisco quer que esse debate se faça, mas ele não quer fazer isso de cima para baixo e dizer: ‘Agora vamos inverter tudo e eu, como Papa, mando camisinhas para todos’. Ele acha que assim é ir para a outra ponta, tão autoritário quanto. Ele quer que isso seja debatido pelos moralistas, pelas famílias, pela juventude. E cada um tenha a consciência de assumir sua sexualidade, até para não fazer mal a si mesmo."A Igreja precisa andar uns quilômetros, porque ela está parada ainda em modelos pré-Freud. E é claro, não só para evitar perder fiéis. Mas para ter uma mensagem adequada à juventude, para não ficar achando que tudo o que é discurso sobre sexo é pecado"Fórum – A questão da pedofilia merece um capítulo à parte, pois cada vez aparecem mais casos entre seus representantes. Acha que a Igreja lida da forma correta com o tema? Fernando Altemeyer – Pelo menos desde a postura do Papa Bento XVI, com a chamada Ação Tolerância Zero, ela está. Não fez isso durante anos, até séculos, mas na medida em que ela surgiu, emergiu, o próprio Bento atuou com mão firme. E o Francisco agora, com toda a questão do Chile (escândalo de pedofilia que provocou a demissão de 34 bispos), falou: ‘Eu quero a demissão de todos, porque vocês não agiram de forma correta’. Esses não eram pedófilos, mas esconderam, não fizeram o suficiente. Então, eu acho que ele está sendo rigoroso. É claro que é um problema complexo e sério, porque não é só uma questão de sexualidade, envolve também má-formação, abuso de autoridade, um certo secretismo de relações. Então, tem que mexer em muitas coisas para resolver essa questão, que também não é só da Igreja católica, tem também nos esportes e em outros níveis. Mas na Igreja é um absurdo, porque é uma relação de confiança de um sacerdote que abusa de pessoas usando até o nome de Deus. Chega a ser uma coisa bárbara. Mas ele tem agido com firmeza. A condenação de um pedófilo é perder o ministério. Nunca mais ele poderá voltar a ser padre. É como um juiz ou deputado cassado. Essa cassação, como é um processo jurídico, tem às vezes recursos que sobem ao Supremo Tribunal da Igreja, que se chama Rota Romana. Alguns padres, depois de presos, punidos, cassados, entram com um processo, dizendo assim: ‘Não foi bem assim, eu era doente’. O Francisco fez uma norma agora há um ano dizendo que não tem apelo, não vai dar nenhum voto de perdão, não vai cancelar nada. Isso é muito forte. Se não, fica aquela coisa: ‘Vamos recorrer lá que no final ele deixa tudo como estava’. Isso acabou. Essa fase do abuso, da maldade, acabou. A prioridade é da vítima e não do abusador, mesmo que ele tenha sido um sacerdote.
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