Aqueles liberais que gostam de usar o Chile como exemplo para tudo, e que já vinham desconversando desde o início da revolta social de 2019, ganharam nesta quarta-feira (11) um novo motivo para continuar com esta postura.
Na verdade, se trata de um fato que não é novo, mas pela primeira vez foi dito abertamente por um integrante do Poder Judiciário do país: “o governo de Sebastián Piñera tem presos políticos”.
Quem disse isso foi o juiz Daniel Urritia, do Tribunal de Garantias de Santiago. A declaração se refere às 657 pessoas que foram presas no país desde o início da revolta social, em outubro de 2019.
A maioria desses casos são de manifestantes que foram presos durante marchas ligadas à revolta social ou ao movimento feminista, e que estão em prisão preventiva, sem uma sentença definitiva desde o ano passado – entre eles, uma minoria (216 casos) conseguiram o benefício de passar a preventiva em regime de prisão domiciliar.
A declaração de Urrutia também ganhou repercussão por ser realizada na primeira entrevista que o magistrado deu após uma decisão da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) a seu favor, a respeito de um caso de 2004, quando ele, sendo um juiz de primeira instância, acusou a Suprema Corte do Chile de ser “cúmplice dos crimes cometidos pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990)” e acabou sendo afastado em função disso.
Após 16 anos, na semana passada (mais precisamente no dia 6 de novembro), a CIDH sentenciou o Estado chileno a indenizar Urrutia, entendendo que o seu afastamento configurou uma “violação dos direitos à liberdade de pensamento e expressão, às garantias judiciais, ao princípio de legalidade e à obrigação do Estado de respeitar e garantir tais direitos e o dever de adotar disposições a esse respeito em seu direito interno”.
Pode parecer que é uma decisão que não em nada a ver com o Chile atual, já que o caso é de 2004, mas o próprio Urrutia é prova que o Chile de Piñera não mudou em nada em comparação com aquele.
Isso porque em março deste ano o magistrado deu uma sentença para favorecer 13 mulheres manifestantes que foram presas durante a marcha pelo Dia Internacional da Mulher, dando a elas o benefício da prisão domiciliar enquanto não tinha uma sentença definitiva. Dias depois, ainda em março, outro tribunal atendeu a um pedido do Estado chileno para invalidar a decisão de Urrutia, e também realizou uma advertência formal contra o juiz.