Pensilvânia e Geórgia dão lição em Trump, que não deixará o poder sem espernear, por Heloisa Villela

Com virada nos últimos votos, os dois estados selam o fim da Era Trump e dão um forte e contundente recado à onda ultrarreacionária que tomou os EUA há quatro anos. O que resta agora é esperar pela reação do magnata que virou presidente e que nunca soube perder.

Foto: CBS (reprodução).
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O que Clayton County tem de especial? Foi nesse condado da Geórgia, nos subúrbios de Atlanta, que nasceu John Lewis, o deputado que faleceu em julho e foi homenageado por políticos de todo o país, do Partido Democrata e também do Partido Republicano. Mas o presidente Donald Trump não estava lá. Às 3h30 da manhã desta sexta-feira (06), foi quando a conta virou na contagem dos votos do estado. Joe Biden apareceu na tabela do condado com 1.602 votos contra 222 para Trump. E ainda estavam faltando 2.500 votos para serem tabulados. Não restava mais dúvida. A Geórgia, um estado tradicionalmente democrata, mudou de lado e colocou o penúltimo prego no caixão político de Donald Trump. Ficou faltando o da Pensilvânia, que vem mais lentamente, com os últimos votos da Filadélfia, contados manualmente, um a um.

E agora? Trump não vai embora sem dar trabalho e enterrar a turma dele em dívidas e quem sabe, talvez, mergulhar o país em uma tremenda confusão. Seria encerrar com chave de ouro uma curta carreira política que começou com base numa mentira tão absurda que muita gente achou engraçada e não deu tanta bola assim. Trump foi o criador do movimento “birther”, que espalhava um boato falso a respeito de Barack Obama. Dizia que ele tinha nascido no Quênia e, portanto, não poderia ser candidato a presidente. É preciso ser norte-americano nato para isso, “birth” em inglês. Ele insistiu com isso por mais de dois anos. Queria, a todo custo, que Obama apresentasse a certidão de nascimento. O que não adianta nada porque, claro, ele iria dizer que era forjada.

É exatamente o que está fazendo agora. Insiste que houve fraude nas eleições e monta um escritório de coleta de provas. Uma linha de telefone para receber denúncias, enquanto um exército de advogados caça uma maneira de contestar o resultado das urnas. Tudo começa e termina em Trump. Ele inventa uma acusação da própria cabeça, ou seja, de um sentimento de que ele nunca pode perder. Convoca uma coletiva para anunciar as “denúncias” e depois despacha assessores e advogados para correr atrás das provas. O mais incrível é que alguns republicanos ainda saem por aí repetindo as falácias. Por algum motivo, não temem o ridículo.

Trump terá que deixar a Casa Branca, mas a guerra política não acaba aí. Isso é só o começo. A maneira de operar, as ações baseadas em mentiras, a defesa dos nacionalistas brancos, tudo de pior que Trump trouxe à tona no país vai continuar presente. E os republicanos tiveram uma excelente eleição. Mantiveram a maioria no Senado e não perderam cadeira alguma na Câmara, que estava em disputa. Saíram por cima. Usando o prestígio que o presidente tem com uma fatia do eleitorado. É com essa força reacionária, racista, mentirosa e manipuladora que o país terá que se entender. Que a Pensilvânia e a Georgia sirvam de exemplo para as forças progressistas do país.

Na semana em que Trump foi eleito, em 2016, vários ativistas democratas acordaram e arregaçaram as mangas aqui na Pensilvânia. Outros se mudaram de estados vizinhos, como Nova York e Nova Jersey, para ajudar no esforço. Foram quatro anos de trabalho no interior do estado, na zona rural, nas áreas abandonas pelos democratas há anos! E com muito trabalho criaram a organização PA Stands Up, ou Pensilvânia se levanta, com representações locais em vários distritos. O trabalho deu resultado. Os números estão mudando e a conta, na Pensilvânia, também vai fechar a favor de Biden. A lição é essa. Deu trabalho! Foi um esforço concentrado que, no caso da Geórgia, teve o impulso impagável de Stacey Abrams, a deputada que passou 10 anos no Congresso e decidiu se candidatar a governadora do estado. Bateu na trave. Perdeu por pouquíssimo. Mas organizou e mobilizou uma grande fatia do eleitorado.

Os republicanos já sabiam que corriam perigo na terra de Stacey Abrams e de John Lewis. O líder do movimento de direitos civis, que foi parar no hospital e levou uma porção de pontos na cabeça durante a famosa marcha de Selma, nos anos 60, morreu em julho e foi reverenciado pelo estado e pelo mundo. Por pouco não viu sua terra natal fazer a virada histórica que disse “não” a Trump e aos republicanos, que embarcaram nas táticas perversas e mentirosas que ele construiu para chegar ao poder.