RÚSSIA X UCRÂNIA

30 dias da Guerra: Por que o conflito não terminou? Nasser responde

O professor de Relações Internacionais avalia que, no momento, há uma situação de impasse: “A perspectiva é que a guerra seja prolongada”

Reginaldo Nasser avalia que a guerra vai durar mais do que o esperado.Créditos: Foto: Sergei Malgavko/Tass
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No dia 24 de fevereiro de 2022, o mundo foi surpreendido com o ataque das tropas da Rússia ao território da Ucrânia. Apesar da tensão existente na região, a maioria dos especialistas não esperava que a situação chegasse a um ponto incontornável.

Por isso, o professor de Relações Internacionais, Reginaldo Nasser, define o conflito como “uma guerra de surpresas”.

“Foi uma surpresa a forma como a Rússia atacou, foi uma surpresa o momento do ataque e, também, é uma surpresa a maneira pela qual a Ucrânia está se defendendo”, afirma.

Nasser destaca, ainda, que, nesse momento, “podemos caracterizar a situação como um impasse. Ou seja, a defesa da Ucrânia está sendo eficaz para não permitir o avanço das tropas russas, mas não tem força suficiente para fazer com que elas retrocedam. Do outro lado, as forças da Rússia invadiram a Ucrânia rapidamente, tomaram alguns territórios, porém, não chegaram ao que desejavam”.

O conflito na Ucrânia é complexo e envolve vários atores, como Rússia e Ucrânia, diretamente, mas, também, Estados Unidos, China e demais países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Após um mês, muitos questionamentos ainda seguem sem respostas, principalmente, por que razão depois de 30 dias a guerra ainda não terminou? Quais os ingredientes que precisam se alinhar para que o conflito chegue ao fim?

O professor acredita que, justamente em função do impasse que se estabeleceu, a perspectiva é que a guerra seja prolongada.

Reginaldo Nasser é professor livre-docente de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (Ineu).

Fórum: Por que depois de um mês a guerra na Ucrânia ainda não terminou?
Reginaldo Nasser:
Essa é uma guerra de surpresas. É uma ilusão fazer qualquer tipo de previsão. Então, foi uma surpresa a forma como a Rússia atacou, foi uma surpresa o momento do ataque e, também, é uma surpresa a maneira pela qual a Ucrânia está se defendendo. Nesse momento, nós podemos caracterizar a situação como um impasse. Ou seja, a defesa da Ucrânia está sendo eficaz para não permitir o avanço das tropas russas, mas não tem força suficiente para fazer com que elas retrocedam. Do outro lado, as forças da Rússia invadiram a Ucrânia rapidamente, tomaram alguns territórios, porém, não chegaram ao que desejavam. Por isso, a Rússia tem, inclusive, mudado de tática para agora o que se chama de guerra de atrito ou guerra de fricção, que é uma guerra de desgaste (ataques em curto intervalo de tempo durante vários dias). A Rússia tem atacado a infraestrutura da Ucrânia. No momento, é uma situação de impasse e a perspectiva é que a guerra seja prolongada.

Fórum: Em que estágio se encontra o conflito depois de um mês? Com seu prolongamento, ainda é possível pensar em 3ª Guerra Mundial ou guerra nuclear ou essa hipótese está afastada?
Nasser:
Sempre que ouço essa questão de possibilidade de guerra entre grandes potências ou uso de arma nuclear, eu recorro a uma frase do filósofo francês Raymond Aron: “Paz impossível, guerra improvável”. Veja que ele não falou guerra impossível. A guerra é improvável, porque uma guerra nuclear não vai destruir um ou outro país. Vai destruir todo o planeta. Alguém tem dito que pode ter uma guerra nuclear tática (com armas que podem ser usadas em distâncias relativamente curtas). Isso é muito arriscado, porque nunca se sabe a reação daquele que é atacado em fazer crescer a escala da ameaça. Portanto, entendo que é improvável qualquer tipo de guerra nuclear nesse momento, até porque a Rússia ainda tem muita reserva de armas convencionais. Então, nada indica que haverá um confronto direto, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não está entrando em confronto direto, ela ajuda a Ucrânia com armas, tecnologia, mas não de forma direta.

Fórum: É possível afirmar quem está vencendo a guerra até o momento?
Nasser:
Sobre quem ganha a guerra, eu tenho dito que é uma coisa complicada, porque a guerra envolve vários atores. Então, temos de olhar dependendo da perspectiva. No ano passado eu escrevi um livro sobre a guerra do Afeganistão. Os Estados Unidos saíram e o Taleban retomou o país. Então, a gente pode dizer que ele venceu. Mas houve milhares de mortos, pobreza, na perspectiva da população. Vamos olhar para essa guerra. Na perspectiva do povo da Ucrânia, não tem como dizer se há possibilidade de um ganho militar. Do outro lado, não da mesma forma, vem uma crise econômica que atingirá a Rússia. Também há a população do mundo inteiro e, principalmente, os vulneráveis, que serão atingidos pela alta do preço do petróleo e gás, além dos produtos agrícolas. Eu posso dizer quem está ganhando, com certeza: a indústria militar. Ela está ganhando a guerra. Nesse sentido, reforço o que disse antes: há um impasse. A Rússia está tentando ocupar toda a faixa Sudeste, que vai da região de Donbass até perto de Odessa. O objetivo é tomar Odessa. Aí, sim, seria uma faixa considerável, mas se pensarmos que o objetivo inicial da Rússia poderia ser derrubar o governo, até agora não está conseguindo.

Fórum: Muito se fala sobre o que provocou, de fato, a guerra na Ucrânia. Afinal, quais são as principais causas do conflito?
Nasser:
Todo e qualquer conflito tem causas estruturais e causas conjunturais. A causa estrutural de mais longo perfil é o momento onde termina a Guerra Fria e a Otan permanece, mas o Pacto de Varsóvia (aliança militar entre países socialistas) deixa de existir. Eram duas organizações militares que se contrapunham. Em um momento de fraqueza da Rússia, os Estados Unidos começaram a se expandir e havia possibilidade de não fazer isso. Havia uma discussão dentro dos Estados Unidos entre duas correntes: essa que era favorável à expansão da Otan e, se possível, chegar até a Rússia, no sentido de domínio, hegemonia, sobre a Rússia, e a outra corrente, que achava necessário ter precaução, não ir além do entorno da Rússia, considerado de segurança nacional. Isso já era colocado naquela época. Mas, na sequência, houve a guerra de Kosovo, em 1999, que foi um marco importante. Kosovo é uma região dentro da Sérvia, a população estava sendo massacrada pelo presidente da Sérvia e a Otan - os Estados Unidos, principalmente - argumentou que precisava intervir. A guerra durou 76 dias e registrou 12 mil pessoas mortas. Ali a Rússia assistiu quieta, porque não tinha poder e a Sérvia era aliada da Rússia. Aquilo, de certa forma, abriu um precedente. Houve uma série de ações, como em 2008, a guerra da Geórgia, da Rússia; 2014 e 2015, na Ucrânia, que foi a situação que ainda está indefinida, que deixou uma região de separatistas. Mas por que desencadeou tudo isso? Poderia ter havido um acordo. Em dezembro, o Putin (Vladimir, presidente russo) encontrou com o Biden (Joe, presidente estadunidense) e entre as propostas estava a neutralidade militar da Ucrânia, ou seja, a Ucrânia não entrar na Otan. O Biden nem examinou. Então, de lá para cá a questão foi se tornando muito mais tensa com esse fator. Do outro lado, esperava-se que o máximo que a Rússia chegasse era enviar tropas para a região separatista. Mas, inesperadamente, tentou invadir a Ucrânia por mar, terra e ar, portanto, com o objetivo de derrubar o governo. Depois, agregou outros objetivos. Ou seja, os conflitos podem ter uma causa deflagradora. Depois que se iniciam, vão aparecendo outros elementos, até inesperados, que ninguém passa a controlar. Portanto, essas questões deverão estar à mesa de negociação. Então, nós vamos entender um pouco melhor quais são as razões. Mas, a razão primeira e que acaba desencadeando todas as outras é a entrada ou não da Ucrânia na Otan. Porque isso significa ter forças armadas da Otan, isso é dos Estados Unidos, principalmente, na Ucrânia, uma região muito importante na época da União Soviética. A Ucrânia é um país fundamental, estratégico, que faz divisa com a Rússia.

Fórum: Diante do avanço do conflito e do impasse que se estabeleceu, como acredita que será o término? Quem sairá fortalecido?
Nasser:
Todos sairão enfraquecidos. Mas, esse enfraquecimento, não significa estar estático no tempo. Eu diria que, no caso da Rússia, não se esperava um consenso dessa forma que está tendo no Ocidente, as sanções, todo tipo de ajuda militar contra os russos. A Rússia tem se isolado do Ocidente, mas, por outro lado, ela tem tido bom relacionamento principalmente com China, Índia, Paquistão, África do Sul, os países do Brics, inclusive países do Oriente Médio, que são próximos dos Estados Unidos. Então, há uma reordenação no sistema de alianças a partir dessa guerra, no sentido militar, político ou econômico. Já está se cogitando a Arábia Saudita vender petróleo com a moeda chinesa. A Rússia está exigindo, agora, a compra do seu petróleo e do gás em rublo. Há mudanças importantes e os sistemas de alianças estão sendo redefinidos. Mas é muito difícil apontar quem sairá fortalecido. Pode ser, eu diria, quem não está envolvido diretamente, uma grande potência que está apoiando, não decisivamente, que é a China. Apoia a Rússia, não chega a se comprometer, mas está apoiando. É uma grande potência econômica, militar e política, que está absolutamente intacta e vai se credenciando, inclusive, para ser um bom mediador, se houver uma negociação efetiva.